Após o título da categoria SuperProduction (e do segundo lugar na classificação geral das motos) no Rally dos Sertões 2018, realizado entre os dias 18 e 25 de agosto, o piloto de Palhoça Ricardo Martins fala sobre os desafios da prova off road mais prestigiada do Brasil, das conquistas da temporada e dos planos para o futuro.
Jornal Palavra Palhocense - Depois de dois anos tendo problemas em competições deste tipo (acidente muito grave no Dakar 2017 e no Sertões 2016), você conseguiu finalizar o Rally dos Sertões e ainda com um grande resultado. Sensação de dever cumprido?
Ricardo Martins - Precisava acabar o rali. Até poderia arriscar mais, tentar a vitória na geral do Rally dos Sertões, mas ao mesmo tempo eu ficava pensando que se acontecesse algo de errado, eu não conseguiria aceitar, me abalaria muito. Seria ruim demais, não sei nem se daria continuidade (à carreira). Eu sei que acontece com outros também, que faz parte do rali, mas eu precisava acabar, já tinha acontecido muita coisa comigo.
JPP - O que vinha na sua cabeça? Quais eram seus medos?
Ricardo Martins - Fiz o rali inteiro rezando para não cair, para não quebrar, para nenhum bicho atravessar minha frente (no Rally dos Sertões de 2016, um cavalo atravessou a trilha quando Ricardo pilotava a mais de 100km/h e causou um grave acidente). Foram dias tensos. Qualquer coisa pode te tirar do rali. Até mesmo pilotos experientes como o Jean Azevedo têm problemas. Ele não conseguiu terminar três especiais este ano. Acontece, mas é muito ruim. Se acontecesse comigo, iria ficar martelando a ideia de que eu estava fazendo coisa errada, porque nos dois anos anteriores tive problemas. Quem tá fora não entende, e isso acaba pesando.
JPP - Mesmo com cautela, você ganhou a categoria (SuperProduction) mais difícil.
Ricardo Martins - Na verdade, geralmente quem ganha o rali é alguém da SuperProduction. Nela se inscrevem os favoritos. O Tunico (Maciel), que acabou ganhando a geral, se inscreveu em outra categoria justamente para tentar outra frente, caso não vencesse a geral.
JPP - O que muda de uma categoria para outra?
Ricardo Martins - Na SuperProduction, você pode aumentar a cilindrada do motor, pode fazer uma suspensão mais preparada, pode alterar as características originais da moto, o que é proibido na Production Aberta. Mas, eu ando com uma (Yamaha) WR 450F original, pronta para andar na Production. Porém, me inscrevi na Super porque os próprios pilotos fazem esta pressão para abrir espaço para novatos andarem na Production e também terem chance de ganhar um título na categoria. Então, ganhar esta categoria (SuperProduction) é muito difícil. E na geral é importante dizer que o Tunico é um grande piloto, estava muito preparado, e não teve nenhum dia ruim. No rali, entre os favoritos, que andam no limite, ganha quem tiver menos problemas. E o Tunico passou ileso. Foi o ano dele.
JPP - Quais foram os seus problemas?
Ricardo Martins - Durante o rali, não quis comentar porque ia parecer que estava dando desculpa, e não é o caso. Não é o caso agora também. A vitória do Tunico foi merecida. Mas eu tive problemas em dois dias. Teve uma cerca que aproximadamente 20 pilotos bateram nela, uns foram até embora pra casa, e eu fui um dos que bateram nela. Não dá nem pra considerar um erro meu, porque muita gente ficou ali, até pilotos experientes como o Dimas Mattos. Quebrei meu dedo do pé neste acidente, e abriu um buraco no motor e deu problema no instrumento de navegação. E teve um outro dia que foi erro meu mesmo, que errei a navegação. Vinha na frente, tinha gado na pista, tirei muito a mão, estava com medo desta história de bicho no trecho, era pra entrar à direita e eu passei reto. Foram dois problemas que perdi muito tempo. O acidente não tinha nem o que fazer; o outro, errei mesmo.
JPP - Teve uma história que você alertou seu principal concorrente, o Tunico, sobre um problema na moto dele. Conte o que aconteceu?
Ricardo Martins - Eu jamais vou torcer para quebrar a moto do meu concorrente. Quero ganhar, lógico, mas sem que meu adversário corra perigo. Na última especial, vi um parafuso caindo da moto do Tunico antes da largada. Alertei ele na hora. Ele chamou o mecânico e arrumaram. Eu não conseguiria largar sabendo que ele estava correndo este risco. Eu certamente andaria o dia inteiro pensando “por que não avisei?”. Às vezes a gente ganha por problemas dos outros, mas nunca quero ganhar na maldade.
JPP - Antes de começar, a organização prometeu um Rally dos Sertões dos mais difíceis da história. Foi mesmo?
Ricardo Martins - Foi muito difícil. Primeiro dia teve 300 quilômetros de trilha travada e aquele dia que eu ganhei, na areia, a especial mais longa, foi muito dura. Depois, falando com o Tunico no fim, ele disse “como tu fez naquela areia?”, porque aquela foi dura. Foi na raça. Foi um dia que menos pessoas completaram. Fez lembrar o Dakar. Graças a Deus saí ileso. Mantive uma concentração muito alta, tirei cinco minutos em relação ao Tunico. Foi muito bom.
JPP - Se pudesse resumir o resultado deste ano, como você definiria?
Ricardo Martins - Foi um rali muito bom. Ganhamos etapa, estávamos sempre entre os primeiros. E foi muito bom também porque nenhuma moto deu problema, nem a minha, nem a do Bruno nem a do Luciano (companheiros de equipe). Estamos com o equipamento muito bem montado para 2019.
JPP - Durante o Sertões também se encerrou o campeonato Brasileiro de Rally Cross Country 2018, do qual você foi vice-campeão.
Ricardo Martins - Nunca vi uma temporada tão disputada. Foi até o último dia para definir o campeão. Eu ganhei etapa, o Gregório ganhou, o Jean ganhou. Foi muito parelho. A diferença de pontos foi de quatro pontos, apenas, em 18 etapas. É muito raro. Mostra o alto nível do rali brasileiro.
JPP - Você sofreu um acidente muito sério na primeira tentativa de disputar o Rally Dakar. Já considera voltar a fazer esta corrida outra vez?
Ricardo Martins - Voltei a pensar no Dakar. Este de 2019 eu vou assistir, ver como está o clima, sentir. Mas acho que vou voltar a fazer um Dakar. Não sei quando, mas devo fazer mais um Dakar na minha carreira.