O engenheiro civil Bruno Sousa Silveira, de 31 anos, morador do São Sebastião, cultiva uma paixão por motocicletas desde criança. Nas imagens mais antigas que a memória alcança, lá está a companheira de duas rodas. Aos 15 anos, comprou a primeira moto. As lembranças da infância e a trajetória de vida alimentaram um sonho: fazer uma viagem em duas rodas; uma viagem longa e solitária. O sonho se realizou em uma epopeia de 12 dias, percorrendo 7,2 mil quilômetros pelas estradas da América do Sul. Mas para desfrutar as delícias dos famosos vinhedos argentinos e apreciar de perto a magnitude do Aconcágua, Bruno precisou enfrentar os próprios medos e se redescobrir. Essa redescoberta existencial foi conquistada em uma aventura definida por ele como "um misto de paixões e desafios".
A trip começou às 5h do dia 19 de junho - 45 minutos antes do relógio despertar. A ansiedade afastou o sono, e era difícil não ficar ansioso. Estava partindo para um "ritual de passagem". Entre 2014 e 2018, o engenheiro civil mergulhou em um intenso turbilhão de emoções. Passou por uma crise de estresse, que desencadeou até uma síndrome do pânico violenta. Recuperado, definiu a viagem como um divisor de águas, um momento de catarse, de reencontro pessoal. "Vai ser o meu momento, preciso me reconectar", projetou, na época.
Aí, faltava escolher o meio de transporte e o destino. O primeiro quesito foi fácil de resolver. "Lá em casa, a gente sempre foi louco por tudo o que tinha roda e combustível, mas a moto sempre chamou mais a atenção", relembra. O destino também era bem óbvio: como nos últimos dois anos adquiriu o hábito de beber vinho, decidiu conhecer a capital do vinho feito com a uva Malbec, a região de Mendoza, na Argentina.
Bruno já tinha uma Scooter Honda SH 300, e ainda estava decidindo que moto compraria para fazer a viagem. Um amigo sugeriu que fosse de Scooter. A princípio, achou "maluquice" aquela sugestão, mas a ideia "ativou o maluco" que há dentro de qualquer aventureiro. E foi de Scooter que ele partiu rumo a Uruguaiana (RS), a primeira parada da viagem. E antes mesmo de completar esse primeiro trecho, veio o primeiro susto: fechado por uma caminhonete, caiu, a 120km/h, nos arredores de São Gabriel (RS). Mesmo usando todo o equipamento de proteção possível, machucou a perna e o pé, e a batida no chão o deixou momentaneamente sem ar.
Como estavam no campo, a ambulância demoraria a chegar. Então, quando passou o susto, decidiu seguir viagem até Uruguaiana, cidade às portas do rio Uruguai e que faz fronteira com Passo de los Libres, na Argentina. Dormiu lá, cumprindo o primeiro dia com 16 horas na estrada e 1.053 quilômetros percorridos. Nem foi ao médico: comprou remédios para aliviar as dores e seguiu viagem. Ou melhor, tentou seguir: na aduana, não aceitaram o documento de identificação, porque tinha mais de 10 anos desde a última emissão. Se ficasse em Uruguaiana, perderia muito tempo até conseguir uma carteira de identidade nova; a solução seria voltar a Porto Alegre (RS), onde a emissão de documento seria mais rápida, mas isso implicaria em um acréscimo de 600 quilômetros de deslocamento na viagem já suficientemente turbulenta. A caminho da capital gaúcha, fez os questionamentos habituais no diálogo silencioso entre a emoção e a razão: até que ponto vale a pena? Até que ponto é orgulho, teimosia? Até que ponto estava correndo risco? Foram 50 quilômetros de autorreflexão, e ao som de Zeca Baleiro, veio o veredito: resolveu seguir viagem, acelerando menos e contemplando mais. Aí, relaxou, tirou toda a tensão da viagem dos ombros e passou o resto da trip contemplando as nuances da inesquecível paisagem dos pampas; degustando a energia dos vinhedos de Mendoza; absorvendo cada nuance da visão paradisíaca do Aconcágua e da Cordilheira dos Andes (onde enfrentou uma nevasca fortíssima). Voltou ao Brasil depois de percorrer cidades no Uruguai (como Ponta del Este, Montevidéu e Colônia do Sacramento) e na Argentina (como Buenos Aires, Rio Rufino, Mendoza, Córdoba e Santa Fé), com uma única exclamação na bagagem: "Inexplicável"!