A 23ª edição do festival de cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM) vai exibir 72 produções de 16 países entre os dias 26 de setembro e 2 de outubro. Palhoça estará representada em três trabalhos: o videoclipe da música “Ore Kunhangue”, dirigido por Luiz Fernando F. Machado e que teve a participação de indígenas do Morro dos Cavalos, foi selecionado oficialmente para a Mostra de Videoclipes; os curtas “Eu Provavelmente Morrerei Anônimo”, de Luiz Gustavo Laurindo, e “Juventus F.C.”, de Alexandre Manoel, participam da Mostra Curtas Catarinenses - os dois são egressos do curso de Cinema e Audiovisual da Unisul, na Pedra Branca. A partir desta edição do Palhocense até a estreia do festival, você conhecerá um pouco mais sobre cada um desses trabalhos.
Começamos com “Eu Provavelmente Morrerei Anônimo”. A ficção de 10 minutos conta a história de um comediante que coloca situações reais nas piadas do seu show de stand up. Utilizando desse artifício, ele questiona o motivo das risadas do público. “O filme surgiu de um desconforto que eu tinha quanto à abordagem autodepreciativa de comediantes negros brasileiros, sobretudo os de stand up. Num país profundamente racista, em que a população é histórica, diária e sistematicamente diminuída, esse tipo de comédia é especialmente preocupante. O autoflagelo de pessoas negras em espaços ocupados majoritariamente por brancos de certa forma autoriza a risada dessas pessoas sobre desgraças diárias que elas jamais entenderão”, comenta o cineasta. “A comédia da autodepreciação é muito comum em outros lugares do mundo, como os Estados Unidos, mas a diferença é que lá se provoca alguma reflexão, principalmente porque o público não é formado em sua maioria por pessoas brancas, e sim pelos próprios negros. Deixo claro que a minha intenção com o filme jamais foi apontar o dedo para um povo já tão diminuído. Fico realmente feliz que negros estejam ganhando dinheiro, fama, prestígio por meio da comédia, mas acredito ser papel do cineasta questionar padrões que possam se mostrar problemáticos”, reflete.
“Eu Provavelmente Morrerei Anônimo” foi filmado em duas locações: o teatro da UFSC e a casa de um membro da equipe, localizada no Jardim Eldorado. A pré-produção durou cerca de dois meses - foram dois dias de gravação, um em cada locação - e a pós-produção levou aproximadamente um mês. O filme ficou pronto no final de dezembro de 2018 e já foi aceito, também, em outros festivais, como o Assimetria - Festival de Cinema Universitário, de Florianópolis; o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, do Rio de Janeiro; e o 14º Festival de Taguatinga, do Distrito Federal.
Luiz Gustavo está contente com a repercussão da obra, especialmente com a inclusão na Mostra Curtas Catarinenses do FAM. “Eu acompanhei o FAM durante toda a minha graduação e, a cada ano, entendia um pouco mais da importância do festival. Fico feliz de participar com um filme que levanta questionamentos que considero importantes e de saber que a região de onde vim está sendo representada em evento que inclui tantas cidades de relevância cultural”, observa o cineasta, que é “nascido e criado” no Jardim Eldorado. A experiência de vida em Palhoça ajudou a tecer o fio condutor de “Eu Provavelmente Morrerei Anônimo”. “É claro que ter crescido diante dessa realidade de desigualdade social e racial, e ter tido a oportunidade de ser a segunda pessoa da minha família a estar em uma universidade, fazendo o curso que eu desejava, que instiga o pensamento crítico, fez com que eu desenvolvesse as ideias que me levaram à criação do filme”, argumenta.
Luiz Gustavo avalia que o momento político da maioria dos países da América Latina é “obscuro” e o FAM se mostra relevante por abraçar produções latino-americanas e fazer com que obras que tendem a ser inalcançáveis sejam vistas por pessoas de diversas regiões. “Num panorama como o atual, em que o cinema nacional sofre diversas tentativas de censura, todo evento cultural tem a sua importância política, seja ele pequeno ou grande, como o FAM, que tem anos de história e é muito respeitado”, conclui.