Com anúncio de redução de 37% do custeio, unidade garante atividades normais até julho. Governo alega prioridade para o fundamental
Elaine Manini
Alunos, professores e servidores do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) Palhoça juntaram-se esta semana às mobilizações nacionais contra o bloqueio de verbas das universidades e institutos federais anunciados pelo governo. Na última sexta (10), cerca de 400 alunos reuniram-se em assembleia para decidir sobre a adesão às mobilizações. Nessa quarta (15), juntamente com professores e servidores, participaram em massa das manifestações que reuniram milhares de pessoas no Centro de Florianópolis. A concentração estava marcada para às 15h na Catedral. Os acadêmicos caminharam pelas ruas em direção ao terminal integrado de ônibus Ticen, e depois até a Alesc com palavras de ordem e cartazes de “Tira a mão do meu IF”.
No IFSC Palhoça o bloqueio será de R$ 539,8 mil (37,18% do custeio). Os reitores de diferentes estados tentam reverter o quadro junto ao Ministério da Educação (MEC). A diretora do IFSC Palhoça, Carmem Beck, diz que até julho as despesas com luz, água, telefone e terceirizados estão garantidas. Sobre a possibilidade de paralisação a partir de agosto, ela declara: “Estamos pensando em estratégias para reverter esse panorama. Não estamos pensando, neste momento, em paralisação das atividades, mas se as cotas não forem liberadas e se o bloqueio se mantiver, o campus vai sentir fortes impactos. Teremos um período muito difícil pela frente”.
Na segunda (13), em protesto organizado pelas instituições, os estudantes e servidores abraçaram o IFSC de manhã, de tarde e à noite. Há 27 anos na educação, Carmem lamenta as circunstâncias: “Eu sempre acreditei que a educação é a base de tudo. Na minha opinião, o que pode nos tirar dessa complexidade de problemas de hoje é a educação. Um bloqueio desses sinaliza que ela não é basilar”.
Em notícia divulgada no portal do MEC na última terça (14), o ministro da Educação, Abraham Weintraub, voltou a defender a educação básica como prioridade. Na notícia, a assessoria da comunicação do governo cita a “Coreia do Sul como exemplo que deu certo” e diz que no Brasil se faz o contrário: “tem se investido no topo, no ensino superior, antes de cuidar da base. Desde 2012, o orçamento para o ensino superior cresceu 83%. Para a educação básica, 10%. Ou seja, para universidades e institutos federais, houve um aumento 8,3 vezes maior no investimento”.
IFSC Palhoça
Na mesma segunda do protesto, o IFSC Palhoça recebeu a notícia de que um de seus cursos superiores, Tecnologias em Produção Multimídia, havia tirado a nota 5 no Conceito Preliminar de Cursos do MEC, a máxima que um curso de graduação pode receber no país. Implantado em 2010, o IFSC Palhoça é o único Ensino Profissional Bilíngue do Brasil. Possui 36 turmas de sete cursos regulares de ensino médio técnico, graduação e pós, e quatro de qualificação profissional. Hoje são 900 alunos, 307 deles vindos de outros estados, e 82 servidores. Para 2019 foram abertas mais 400 vagas.
A proposta pedagógica do IFSC Palhoça privilegia a Educação Bilíngue Libras/Português desde a escolha dos cursos aos temas de pesquisas priorizados. Há turmas só para surdos, só para ouvintes e turmas em que surdos e ouvintes compartilham o mesmo espaço. “O processo de ensino e aprendizagem, o desenvolvimento de materiais didáticos, bem como as metodologias utilizadas em sala de aula consideram as especificidades da educação de surdos”, explica a servidora técnico-administrativa, Sônia Regina Santos. Ela diz também que “não são raros os alunos que chegam ao Instituto sem o domínio da língua de sinais e da língua portuguesa”.
Dos 100 alunos surdos, muitos vieram até Palhoça de diferentes regiões do Brasil com suas famílias em busca da inclusão social propiciada pela instituição. É o caso de Luan Vinícius de Souza, 19 anos, aluno do Médio Técnico Integrado de Comunicação Visual. Luan perdeu a audição com dois anos de idade e desde cedo os pais colocaram a família em uma rotina itinerante em busca de escolas inclusivas. No ensino fundamental, no litoral paulista, foi para uma escola que tinha uma sala para surdos, mas aos nove anos a mãe, Rita de Cássia de Souza, percebeu que ele não estava alfabetizado. Descobriram em Guarulhos um projeto modelo de deficiência auditiva: “Nem pensamos duas vezes e nos mudamos. Porém, quando ele terminou o fundamental, o sonho acabou. As escolas do estado não tinham intérprete. Conversei com uma das professoras e ela me falou do IFSC de Palhoça. Nós nunca tínhamos escutado o nome do IFSC, muito menos de Palhoça, mas resolvemos vir conhecer”. Depois disso, Rita resolveu vender o salão de beleza, o marido Iramil de Souza, deixou a fábrica de toldos que possuía, alugaram uma casa pela internet, e em 2017 vieram.
Sobre a experiência e nova fase da vida de Luan, a mãe relata: “Quando chegamos aqui, vimos que ali era realmente o lugar dele, lugar onde praticamente todos falavam em Libras, onde ele não seria o único surdo, onde os professores eram surdos, onde ele poderia fazer não apenas o ensino médio, mas o técnico junto, lugar onde iriam prepará-lo para uma faculdade”. Segundo Luan, “No IFSC eu me senti ótimo e aprendi muito rápido. O IFSC é diferente de outras escolas de inclusão porque os professores sabem Libras. Alguns ainda têm intérprete, mas a maioria já usa Libras. O IFSC é como minha segunda casa”.
Pesquisa e extensão
Além da formação, a instituição também trabalha seus projetos de pesquisa e extensão voltados à comunidade surda. “A gente sonha de, por exemplo, produzir material didático e distribuir gratuitamente para ajudar os alunos surdos que moram lá numa cidadezinha pequena do interior”, diz a diretora. Carmem realça ainda o Curso de Formação Inicial Continuada de Português como Segunda Língua, que tem como perspectiva o aprimoramento e desenvolvimento da Linguagem de Sinais. Além disso, os alunos do ensino médio produzem vídeo-aulas em Libras de Astronomia e material didático de Química.
Na pesquisa de nível superior, um dos destaques é o desenvolvimento de em um aplicativo de cooperação para que voluntários possam se cadastrar e pessoas surdas consigam acessá-los quando vão a um estabelecimento comercial, por exemplo, e precisam de um intérprete para fazer a mediação. O projeto envolve quatro alunos e é coordenado pelo professor Bruno Panerai Velloso: “Isso é proveitoso para todo mundo. Do projeto surgiu uma empresa júnior que está sendo implementada aqui dentro com 20 alunos voluntários. Toda a parte visual foi desenvolvida por um aluno surdo”, explica o professor. Em 2018, o IFSC Palhoça contabilizou três projetos de pesquisa com 11 alunos bolsistas e 20 projetos de extensão, com 53.