Fábio Caldieraro viveu o sonho da bola, em Canoas (RS), nos anos 1990. Chegou a enfrentar Ronaldinho Gaúcho, quando o craque ainda atuava pelas categorias de base do Grêmio. Chamou a atenção de olheiros, mas um acidente de moto abreviou o futuro nos gramados, aos 17 anos. O sonho ficou adormecido, até que a esposa, Adriana da Fontoura Caldieraro, ficou grávida. “Sabia que eu não poderia mais jogar futebol assim, valendo, então eu sempre pedia para Deus que, se eu tivesse filho, que ele gostasse de jogar futebol, porque é o que eu gosto, e Deus vai lá e me dá dois”, alegra-se Fábio. Sim, dois: os gêmeos João Vitor e Pedro Henrique vieram ao mundo com o gene do pai, e hoje tentam a sorte com a camisa do Figueirense.
A rigor, “sorte” não é uma palavra muito bem-vinda no esporte. As grandes carreiras são construídas com boas doses de talento, esforço, disciplina e oportunidade. Fábio agarrou a oportunidade que apareceu para os filhos, largou tudo no Rio Grande do Sul e veio “de mala e cuia” para Palhoça, para acompanhar de perto a trajetória dos dois meninos nos gramados catarinenses.
Fábio e Adriana contam que João e Pedro sempre demonstraram grande intimidade com a bola. Literalmente, desde o berço. “Com seis meses, a gente jogou uma bola no berço e eles grudaram a bola com os dois pés para cima. Os dois fizeram isso”, conta Fábio. Assim que começaram a caminhar, já eram competitivos e não tinham medo de “dividida”. Com quatro para cinco anos, entraram para a escolinha de futsal do São José, mas era um trabalho mais lúdico do que propriamente um treinamento de futebol. Aí veio a passagem pelo Clube dos Empregados da Petrobras (Cepe), time tradicional de Canoas, e depois entraram para uma escolinha de futsal conveniada com o Grêmio. Foi a porta de entrada para as categorias de base do Tricolor gaúcho.
Foram três anos de Grêmio, mas dificilmente eram aproveitados, então buscaram novos ares. João e Pedro foram parar no Novo Hamburgo-RS. Mal chegaram e já vestiram a camisa do clube, estreando com uma vitória de 3x2 sobre o Juventude, fora de casa, com três gols de Pedro e uma assistência de João.
“Aí, pegaram confiança”, conta o pai, que também passou a confiar na possibilidade de os meninos seguirem carreira no concorrido mercado da bola. Ainda no Novo Hamburgo, um empresário sugeriu que fizessem um teste no Avaí. Foi aí que começou a aproximação com Santa Catarina. Os olheiros gostaram do que viram, mas como os garotos eram muito pequenos, ficaram monitorando a evolução física dos gêmeos. E quando um treinador da base do Leão trocou a Ilha pelo Centro de Formação e Treinamento (CFT) do Cambirela, lembrou dos gêmeos de pequena estatura, mas futebol gigante e os levou para o Figueirense. Foi em outubro do ano passado. A boa notícia era a aprovação dos meninos no Figueira; a “ruim”, é que teriam que abrir mão da vida na Grande Porto Alegre para se aventurar na Grande Florianópolis.
Fábio e Adriana não se intimidaram diante das incertezas que toda mudança provoca e largaram tudo para acompanhar os filhos. Fixaram residência no Vila Nova, pertinho do CFT, que fica no Pachecos. Fábio começou a trabalhar como motorista de Uber para sustentar a família. Um mês depois da chegada a Palhoça, foram aproveitar o feriado de 15 de novembro na praia da Guarda do Embaú. Estavam brincando de bola na areia e João quebrou um dedo do pé. A lesão atrapalhou, mas ele se recuperou a tempo de entrar em campo em dezembro para disputar o primeiro campeonato pelo Alvinegro. Primeiro de muitos. Hoje, Pedro, meia direita canhoto, fã de Lionel Messi (Barcelona), James Rodríguez (colombiano do Real Madrid) e do Manchester City (Inglaterra), tem se consolidado no time sub-15 (mesmo com 13 anos de idade; eles fazem 14 ainda este mês); e João, que já foi atacante e hoje atua como volante, chuta com as duas pernas e tem como ídolo o francês campeão do mundo Kylian Mbappé, do PSG, se esforça para também conquistar seu espaço. Ou é o contrário? Não, é isso mesmo. Mas os treinadores, às vezes, confundem os gêmeos. Um dia, Pedro “pisou na bola” com um treinador alvinegro e quem levou a bronca foi o João. “Eu? Eu não fiz nada, não fui eu”, defendeu-se João.
Os gêmeos se divertem com as trapalhadas alheias e com a proclamada “qualidade técnica” do pai. “Jogar, ele joga mais ou menos, mas ‘bikevoleio’ é com ele”, brinca João. Curiosamente, quem eternizou o “bikevoleio”, uma espécie de meia-bicicleta, foi o atacante Bebeto, campeão do mundo com a Seleção Brasileira em 1994, quando encantou o mundo fazendo um gesto especial ao comemorar um gol na vitória por 3x2 diante da Holanda, pelas quartas de final, simulando embalar um bebê, celebrando ao mesmo tempo a alegria do futebol e a paternidade. É o que Fábio celebra hoje, com os gêmeos atuando pelo Figueirense. Tanto que o único presente que ele espera dos filhos no Dia dos Pais é a companhia deles. “Na verdade, eles já me enchem de orgulho. Isso já é um grande presente. Mas se passassem menos tempo no celular, seria bom...”, ri o pai. “No Dia dos Pais, vamos fazer isso, mas só no Dia dos Pais”, diverte-se João.