O Dia Mundial sem Tabaco, celebrado em 31 de maio, reascendeu o debate sobre o papel da conscientização dos jovens em relação aos riscos do tabagismo. Ao longo das décadas, a indústria do tabagismo elegeu os seus alvos. Antes das primeiras evidências de que o hábito de fumar estava associado ao aumento de mortalidade por câncer e outras doenças, os médicos ilustravam os anúncios que afirmavam que fumar reduzia a ansiedade e depressão. Na sequência, os holofotes também foram direcionados para as mulheres, que buscavam conquistar um cenário de igualdade de direitos, e para os homens aventureiros. Mais recentemente, o alvo se tornou o público jovem. No Brasil, esse impacto é mais sentido no Sul. Estudo realizado pelo Ministério da Saúde e publicado na Revista de Saúde Pública destaca que 12,6% dos catarinenses de 12 a 17 anos são fumantes, o que representa uma das maiores prevalências de tabagismo entre jovens do país. Foi justamente com esta idade que o estudante Vitor Lucas, morador do Aririú da Formiga, começou a fumar.
Até os 17 anos, era antitabagista. Tanto que fez os pais pararem de fumar. O pedido ao pai foi especial, em um aniversário, e foi atendido. Os pais pararam, ele começou. Durante um curso, descobriu que o cigarro atua como “calmante”. Resolveu experimentar e hoje, aos 21 anos, continua fumando para relaxar. Vitor fuma três cigarros por dia: um pela manhã, um à tarde e outro à noite. "Se eu não fumar, fico com dor de cabeça", revela. É pouco, se comparado aos amigos, que chegam a fumar até dois maços por dia. Algo que ele condena. Ele aconselha aos colegas a reduzirem a dose diária.
Isso porque o estudante diz que tem noção dos males que o cigarro faz à saúde. Então, trata de compensar o uso frequente da nicotina com contramedidas, como a ingestão de sucos caseiros e verduras e atividade física. "Estou toda hora trabalhando meu pulmão, para não ficar só lá relaxadão, recebendo fumaça", comenta. “Eu amo Química, estudei ao ponto de saber que se eu fumar três cigarros por dia e continuar comendo as verduras que eu estou comendo, não afeta meu pulmão. Diminui minha libido por cigarro, e ao mesmo tempo sei que não vou morrer”, argumenta.
O maior perigo dos dados revelados pela pesquisa, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é que a maioria dos fumantes se torna dependente até os 19 anos. "As crianças e adolescentes estão se expondo cada vez mais cedo aos males causados pelo tabagismo. É nosso dever conscientizar os nossos jovens de que não há consumo seguro, seja ele por cigarro, narguilé ou qualquer outro produto", afirma a hematologista Jerusa Karina Miqueloto. Vitor não acredita em dependência. “Não acredito na frase: a pessoa está dependente. Teu cérebro é que te deu essa resposta que você é dependente, de que precisa daquilo ali”, justifica.
Perigos por trás do narguilé
Dentre as armadilhas que seduzem o público jovem, a que mais desponta é o narguilé. A reunião de amigos em torno do produto é um ameaça à saúde. A pesquisa afirma também que entre os tabagistas nessa faixa etária, ao menos 20% já são consumidores de narguilé.
A OMS, que oficialmente declarou que o tabagismo é uma doença pediátrica, é taxativa ao afirmar, baseada em evidências científica, que não existe consumo seguro de tabaco, incluindo cachimbo, cigarro de palha, cigarro tradicional, cigarros mentolados ou aromatizados e o narguilé.
Pelo fato de conter água, muitos jovens acreditam que a vaporização do narguilé não é nociva. No entanto, ele é um cachimbo que traz um tipo de fumo que é feito com tabaco, melaço e frutas ou aromatizantes. Esse fumo é queimado em um fornilho e sua fumaça, após atravessar um recipiente com água, é aspirada por uma mangueira até chegar à boca. Difundido pela indústria tabagista como uma forma inofensiva de consumo de tabaco justamente com a argumentação de que a água seria capaz de filtrar os componentes tóxicos, o narguilé é sim prejudicial à saúde. Isso porque, ao consumir o narguilé, são absorvidas as substâncias tóxicas, dentre elas os produtos da combustão do carvão utilizado para queimar o fumo.
Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Instituto Nacional do Câncer (Inca) concluiu que fumar narguilé por uma hora seguida corresponde ao consumo de tabaco de 100 cigarros. Os autores viram também que, menos tendo conhecimento e consciências dos riscos do consumo de tabaco, mais da metade (55%) dos estudantes da área de saúde que são fumantes, também utilizam o narguilé. Estudos apontam que quantidade de nicotina inalada com o narguilé é pelo menos o dobro da inalada pelo consumo do cigarro normal, causando uma dependência ainda maior.
Outro agravante é que cigarro é consumido em cinco ou 10 minutos, enquanto o narguilé, geralmente utilizado socialmente na roda com os amigos, é inalado por até duas horas seguidas, intensificando a quantidade de nicotina.
Um importante passo foi a aprovação, em 2017, de um projeto de lei que proíbe, em Curitiba, o uso de narguilé em locais publicados abertos ou fechados, além da venda de cachimbos, essências e complementos para sua utilização aos menores de 18 anos. Essa medida poderá contribuir para a redução do consumo e das doenças relacionadas a esse hábito.
De acordo com a OMS, o uso do produto está associado com o desenvolvimento de câncer, principalmente de pulmão, assim como de doenças cardiovasculares. O consumo em longo prazo, afirma o Inca, também estaria ligado a um maior risco para câncer de boca e bexiga. Além disso, como a mangueira é geralmente compartilhada por vários indivíduos, pode também levar a doenças infecciosas como herpes, hepatite e tuberculose.
Vitor também usa o narguilé, inclusive diz que muitos amigos começaram a fumar depois de tê-lo experimentado. Até já construiu seu próprio narguilé, que usa de vez em quando em festas com amigos!