“É mais do que um espetáculo: é diversidade e inclusão. É mais do que movimento: é protagonismo.” As palavras usadas pelas redes sociais da Associação Catarinense de Integração do Cego (Acic) para definir o espetáculo Olhos da Arte são mais do que apropriadas: são categóricas. No palco do Teatro Pedro Ivo, em Florianópolis, na última terça-feira (19), entre os 88 artistas envolvidos, estavam 49 pessoas com deficiência visual. Como o morador do Terra Nova Rodrigo Marques da Silva, que participou da primeira apresentação da noite (foram 10, ao todo), “Nitidez - Entre Outros”, coreografada pela coreógrafa Mara Cordeiro, sob a música “Eu Não Sei na Verdade Quem Sou”, do grupo O Teatro Mágico.
O espetáculo já está na quarta edição e é uma iniciativa da Acic, que Rodrigo frequenta desde 2007. Entre 2007 e 2009, ele deu aulas na associação - é professor de Educação Física; de 2010 para cá, faz um processo de reabilitação na Acic. “O Olhos da Arte é um projeto que acontece com pessoas que estão fazendo reabilitação, habilitação, aprendendo novamente essa questão toda de acessibilidade, de locomoção, aprendendo a ter uma nova retomada nas suas vidas, com independência, que é tão importante para o ser humano. A Acic nos ajuda nessa questão de atingirmos nossa autonomia, nossa independência, para estarmos retornando à sociedade de forma cada vez mais capaz, profissional e melhor”, reflete Rodrigo, que participou do projeto pela segunda vez.
Ele nasceu com 20% de visão, sequela de uma toxoplasmose, e foi perdendo a visão ao longo da vida. Paranaense, formado em Educação Física no Mato Grosso do Sul, Rodrigo mora em Palhoça desde 2009. Em 2010, perdeu um olho em função de um glaucoma e precisou fazer toda uma reabilitação. “Como fui professor de Educação Física, a questão da orientação espacial foi algo que foi acontecendo naturalmente depois da minha perda. Tive alguns momentos difíceis, mas a adequação na questão de espaços e essa questão de locais foi mais tranquila”, contextualiza, ressaltando a importância da Acic nesse processo.
A associação foi fundada em 1977 e há mais de quatro décadas ajuda deficientes a terem sua independência no dia a dia. A dança é um dos recursos dentro do trabalho multidisciplinar realizado pela Acic. “A dança me proporcionou essa questão da vivência do movimento, me capacitando a poder conhecer mais o meu corpo, conhecer mais a mim mesmo. Também me ajudou na questão de espaço, tanto o espaço onde a gente está integrado quanto o espaço onde a gente vai dançar e o espaço entre os participantes naquele momento da coreografia, da arte, do palco em si, na parte da cena”, conta. “Foi muito maravilhoso fazer parte da dança, porque ela nos ensina a ter equilíbrio, a lateralidade, a questão aeroespacial, a conhecer cada vez mais o nosso corpo e o corpo do próximo, a mantermos o equilíbrio nas posições, um equilíbrio que dá para estar trazendo para a vida, porque a gente aprende sobre a questão da respiração, de manter a calma, de movimentos que antes, às vezes, nós não conhecíamos, e hoje são descritos e apresentados para nós de forma personalizada, mas também de forma bem ampla, da gente poder conhecer o movimento através do toque, através da percepção humana, através do próximo que está nos auxiliando”, reflete Rodrigo.
O educador físico conta que, em função da profissão e de ter experimentado a visão, mesmo que limitada, tem a questão de espaço corporal muito bem trabalhada, e isso ajuda na hora de treinar os movimentos da coreografia, que são repassados pela coreógrafa Mara Cordeiro oralmente e através do tato. “Agora, para pessoas que nasceram cegas ou perderam a visão e não têm essa questão de espaço, não foram treinadas, com certeza é mais difícil, tem que ter muita persistência e dedicação”, ensina.
Rodrigo argumenta que a dança também proporciona uma melhor qualidade de vida. “Quanto mais a gente conhece nosso corpo, melhores nos tornamos. Nos tornamos pessoas que conseguem se orientar melhor, ter as vitórias no dia a dia, porque a dança é uma atividade física, a gente tem que fazer exercícios, alongamentos, aquecimentos, e nos preparamos para tudo o que vai acontecer antes da dança em si, tudo é um universo que é interligado e nos ajuda no dia a dia”, justifica. “O espetáculo me mostrou que várias questões da minha perda visual podem ser superadas, podem ser trabalhadas. Eu me torno uma pessoa melhor quando estou dançando, quando redescubro espaços, quando estou me organizando fisicamente e mentalmente para saber o que eu posso e o que eu não posso fazer naquele espaço”, acrescenta.
Por fim, o morador do Terra Nova avalia que o Olhos da Arte é uma ferramenta de inclusão social. “É fantástico fazer parte dessa associação e daquele espetáculo, onde nós, como deficientes visuais, fomos protagonistas e pudemos mostrar para a sociedade que estamos presentes, que estamos lutando pelo nosso espaço e que estamos mostrando que, mesmo não enxergando, somos capazes de grandes coisas”, destaca.
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