Por: Sofia Mayer*
Contrariando a tendência mundial de despoluição do ar e das águas no período de contenção da Covid-19, o rio Capivari Norte - com saídas na praia da Ponta do Papagaio e na comunidade do Mar Aberto, na Pinheira - está sofrendo os efeitos de uma contaminação intensa. De acordo com a Associação dos Protetores da Ponta do Papagaio (APBPP), desde o dia 29 de março, a fauna aquática local tem sido castigada pela onda de poluição das águas. A morte de peixes e moluscos foi confirmada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) e pela Fundação Cambirela do Meio Ambiente (FCam), que vistoriou o local no dia 30 de abril.
Devido à poluição e à falta de oxigênio no rio, peixes, camarões, siris e outros animais aquáticos foram encontrados mortos na área. Como, nas proximidades da rua Beira-Rio, a água fluvial desemboca na praia, a situação se torna ainda mais preocupante, visto que a contaminação pode se estender às águas marítimas. No momento, uma placa, fixada na faixa de areia da Ponta do Papagaio, indica que o mar segue em condições próprias para banho, embora moradores acreditem que esse cenário se deve ao período de estiagem vivido na região, impedindo a chegada do Capivari ao mar. O IMA informa que, por conta das demandas do novo coronavírus, as pesquisas de balneabilidade estão suspensas desde 18 de março.
Às margens da Beira-Rio, o Capivari Norte é um ponto de encontro conhecido da vizinhança. “Meus avós tomavam banho (lá) antigamente, porque não tinham chuveiro em casa. Posteriormente, eu brinquei, durante minha infância, nesse lugar, com água sempre limpa. E agora o que se vê é um esgoto a céu aberto”, conta um morador. O munícipe relata, ainda, que é possível ver peixes tentando descer, em direção ao mar, por conta da baixa oxigenação do local: “É triste ver uma situação dessa, porque todo mundo que vem à praia conhece esse rio”.
Denúncias de membros da APBPP levam a crer que a contaminação do Capivari é decorrente de dejetos lançados pela comunidade, em valas que deságuam na área. “Eles têm as casas na beira desse rio, então, quando chove muito, um cano clandestino os joga bem profundamente (no rio)”, explica o presidente da associação, Marival Coan. Segundo ele, uma obstrução foi realizada, na altura da rua Ana, uma das áreas mais degradadas pela contaminação, para tentar impedir a chegada do esgoto. Em nota, a diretoria se mostra surpresa com o cenário, visto que o Capivari tem histórico de vistoria e manutenção constantes. “A associação sempre manteve todo o cuidado e zelo para com o Rio e vem cultivando o bem-estar da fauna aquática, fazendo monitoramento da água no tocante a questão da poluição do mesmo”, assegura.
A Fundação Cambirela do Meio Ambiente (FCam) analisou a água no dia 30 de abril, e confirmou a presença de coloração escura e mau cheiro. Peixes e moluscos sem vida também foram verificados no curso que desemboca no mar. Populares chegaram a informar que o problema se intensificou após a ocorrência de chuvas e maré alta. Uma das possibilidades é a de que, com o fenômeno, a saída para o mar tenha sido bloqueada, impedindo que os animais marinhos retornassem à praia. As denúncias seguem em análise na Vigilância Sanitária. De acordo com a Prefeitura de Palhoça, contudo, o caso é de responsabilidade estadual.
Depois de realizar uma vistoria, na quarta-feira (6), o coordenador do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, Carlos Cassini, também apresentou a tese de que, com a ocorrência de uma ressaca, o mar teria transportado areia ao Capivari, gerando obstrução nas duas pontas. O evento ainda poderia ter feito a água invadir fossas, levando suas impurezas ao rio.
Com base em monitoramentos realizados, foram constatadas a presença das bactérias enterococos e Escherichia coli (E. coli) em quantidades além das toleradas, de acordo com o presidente da associação. “Nós acionamos todos os órgãos possíveis: IMA, FCam, Prefeitura, Polícia Militar Ambiental, e pedimos que o Poder Público tenha uma ação. O problema é que eles ficam jogando de um para o outro”, revela Coan.
Felipe Lins, um dos responsáveis pelas monitorações, garante que o Capivari Norte não está morto, mesmo com a evidência de contaminação. “Nos três pontos que foram amostrados, durante cinco semanas, três dessas amostras apresentaram resultados satisfatórios, e duas, não. O que gera um percentual de 60%, então”, explica. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) pede que, pelo menos, 80% das coletas apresentem concentração aceitáveis. “Não é que o rio esteja ruim. Ele tem uma concentração de microorganismos, sim. Tem também essa característica de ter influência de esgoto sanitário, mas não é nada absurdo”, continua.
De acordo com Lins, a morte da fauna marinha pode ser decorrente de questões naturais. “Às vezes, quando reduz a concentração de chuva, e esse rio não tem um certo volume de água para passar, ele acaba reduzindo a taxa de oxigênio. Claro que agrava um pouco (mais) por causa do esgoto sanitário”, esclarece.
O rio Capivari Norte nasce dentro dos limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Embora, originalmente, ele não desaguasse na região da Beira-Rio, tendo sido canalizado posteriormente, seu curso atual possui um valor significativo para o ecossistema local. Carlos Cassini explica que, como a salinidade nas pontas do rio é mais baixa do que a do mar, tendo em vista que há mistura das águas doce e salgada, o desenvolvimento de larvas de peixe e camarão, por exemplo, é favorecido. Segundo Cassini, esses animais precisam gastar muita energia para crescer em ambientes com grande concentração de sais, o que acaba dificultando o processo: “O corpo fica perdendo água do interior para o mar”.
Em nota, a FCam ressalta que, com base no Artigo 54 da Lei Federal 9602/98, é considerado crime ambiental a poluição, de qualquer natureza, em níveis que possam resultar em danos à saúde humana, que provoquem a morte de animais ou a destruição significativa da flora.
Vistoria do IMA
Na manhã desta quinta-feira (7), o IMA, juntamente com a Associação Mar Aberto (Amma), esteve acompanhando todo o trajeto do rio Capivari Norte, nas regiões da Ponta do Papagaio e do Mar Aberto, na Pinheira. De acordo com Valdir Fraga, presidente da Amma, um relatório técnico, com as possíveis causas da contaminação, além de sugestões das medidas que devem ser tomadas, será encaminhado à Prefeitura e ao Ministério Público de Santa Catarina. “Lembro que a presença do IMA se deveu ao grande número de denúncias encaminhadas para eles”, explica Fraga.
Ainda não existe uma explicação exata sobre a poluição do Capivari. O presidente confirma, contudo, que foi constatada uma quantidade elevada de sedimentos, provavelmente oriundos de esgoto lançado no rio ao longo do tempo. “Em virtude da maré cheia que ocorreu, esses sedimentos se misturaram à água, provocando a contaminação do rio e, consequentemente, o mau cheiro”, argumenta. Ainda não há data para a entrega do relatório. De acordo com Fraga, serão incluídos, no documento do IMA, estudos de impacto no ecossistema da região.
* Sob a supervisão de Luciano Smanioto
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