Texto: Isonyane Iris
Depois de 30 anos servindo como policial militar em Palhoça, João Hercílio da Silva, nativo da Barra do Aririú, se aposentou e encontrou na ideia de construir uma canoa de guarapuvu, árvore símbolo de Florianópolis, uma ótima terapia. Filho de pescador profissional, Hercílio se inspirou na canoa que seu pai fez há 50 anos e que lhe deixou de presente. “Muito mais do que construir uma canoa artesanal, estou trabalhando nela como era na época do meu pai, com poucas ferramentas e muito trabalho braçal. Tem sido uma verdadeira terapia, estou sentindo na pele o que os pescadores sentiam antigamente”, descreve Hercílio, emocionado.
Filho de pescador, Hercílio lembra da sua infância como uma época muito sofrida, onde a pesca era muita, mas o dinheiro era pouco. “Meu pai sofria muito para nos sustentar, éramos nove irmãos e mais minha mãe, todos sustentados pela pesca. Por muito tempo eu o ajudei, até que aos 18 anos fui para a Polícia Militar, onde servi aqui em Palhoça até me aposentar”, relembra.
Ao encerrar sua carreira como policial, Hercílio acabou tendo que responder a um processo, o que o deixou muito abalado. “Onde era para eu encerrar minha carreira com um troféu, eu acabei tendo que responder a um processo vindo de uma quadrilha. Na época, a Justiça acatou e me condenou, então eu consegui recorrer e ser absolvido. Mas isso me deixou muito triste, nunca imaginei que encerraria minha carreira passando por isso”, conta Hercílio, abalado com a situação.
Apoiado pelo 16º Batalhão da Polícia Militar, João Hercílio não economiza nos agradecimentos aos colegas de guarnição, que torceram muito para que ele conseguisse vencer esse processo. “Só posso agradecer meus colegas da Polícia Militar de Palhoça e de Santo Amaro da Imperatriz, mas depois disso eu fiquei muito desmotivado. Foi quando decidi que eu precisava fazer alguma coisa para ocupar a cabeça”, fala Hercílio, sobre como começou a ideia de construir uma canoa de guarapuvu.
João Hercílio já tinha construído outra canoas, inclusive para alguns amigos, mas essa ele queria que fosse especial. Depois de muito procurar, achou o tronco perfeito, de uma árvore que media cerca de nove metros. Levou mais de um mês para conseguir levar o tronco para casa. “O local onde ela estava era de difícil acesso e eu não queria que fosse retirada com máquina, queria sentir o trabalho que eles tinham antigamente, então fiz tudo no braço. Teve dias de eu ficar o dia inteiro para conseguir arrastar o tronco por um metro, apenas”, explica.
Muita gente chegou a chamar Hercílio de “louco”, mas quando a tora chegou, a surpresa foi grande. “Depois que eu cheguei, eles diziam que não duvidavam de mais nada de mim. Então eu comecei a fazer. Primeiro eu medi, cortei, nivelei e com ferramentas simples eu comecei a trabalhar o tronco até que ele começasse a ganhar forma. Por natureza, o tronco tem um lado certo para fazer o fundo da canoa, que é o lado mais chato, se não prestar a atenção e fizer do outro lado, a canoa não ganha equilíbrio na água”, explica.
A canoa começou a ser feita na orla da praia da Barra do Aririú, mas com o passar dos dias, muitas pessoas começaram a observar e fotografar o trabalho que estava sendo feito. “Sempre recebi todos muito bem, mas é que para conseguir fazer um trabalho como esse, é preciso sentir a madeira, trabalhar nela com muito carinho e concentração, e ali eu não conseguia. Então, trouxe para a minha garagem, e aqui eu trabalho mais tranquilo. Tem dias que acordo às 7h e vou até a noite, é minha terapia, faço com muito prazer”, diz.
Com dois meses de trabalho, hoje a canoa está com seis metros de comprimento e metade do trabalho pronto. Para que fique mais larga, Hercílio conta que agora o próximo passo é abrir a canoa no meio e colar outra parte de madeira, para que ela fique mais larga. “Depois quero incrementar, fazer banco, colocar quilha, então ainda vai levar alguns meses, mas logo vou por ela na água”, acredita. “Quero terminar ela e ter o prazer de pescar por lazer. Colocar na água e ter o orgulho de dizer que fui eu que fiz, desde o primeiro corte”, sonha João Hercílio, lamentando que a tradição das canoas artesanais esteja acabando. Uma cultura que ele acredita que deveria ter mais incentivo para se perpetuar.