A Câmara de Vereadores de Palhoça realizou uma sessão extraordinária na última quinta-feira (25), atendendo a uma solicitação do prefeito Camilo Martins. O retorno do recesso parlamentar estava agendado para o dia 5 de fevereiro, mas o Executivo tinha pressa na votação de algumas matérias. Pelo menos uma delas, o Projeto de Lei Complementar (PLC) Nº 0031/2018, que institui uma reforma administrativa na máquina pública, provocou polêmica nas redes sociais.
Os vereadores, obedientemente, aprovaram todas as demandas. Não sem um certo barulho. A maioria dos projetos que diziam respeito a convênios com entidades e organizações sociais passou sem maiores discussões, especialmente na área de educação, onde as parcerias são imprescindíveis para a oferta de vagas na Educação Infantil.
O convênio que acabou provocando alguma discussão foi o que estabelece o repasse de R$ 100 mil para a Escola de Samba Nação Guarani, representante palhocense na elite do Carnaval de Florianópolis. A Prefeitura exigiu, como contrapartida da agremiação, a realização de um desfile também em Palhoça. O desfile deve acontecer na Ponta do Papagaio, após a apresentação da escola na Passarela Nego Quirido.
O repasse veio em um momento em que o Ministério Público de Contas de SC emitiu notificações para 27 municípios catarinenses, recomendando que, diante de um quadro de dificuldades orçamentárias que possam comprometer o pagamento de salários, fornecedores ou repasses para serviços essenciais (como saúde, educação ou segurança), não fosse realizado qualquer gasto público com Carnaval. E Palhoça é um desses 27 municípios notificados.
"Trem da alegria"
Na política brasileira, a expressão "trem da alegria" costuma ser usada para definir o emprego do dinheiro público em ações questionáveis como remunerações descabidas, contratações desnecessárias de servidores, a criação exagerada de cargos comissionados e as numerosas comitivas de viagens, por exemplo. Pois o "trem da alegria" teria passado na Câmara de Vereadores com a reforma administrativa proposta pelo Executivo, através do PLC 31, que reformulou cargos dentro da engrenagem municipal.
A Secretaria Municipal de Governo e Relações Institucionais informa que o Projeto de Lei Complementar nº 031/2018 não gera impacto para os cofres do município. Segundo a secretaria, trata-se simplesmente de um projeto que visa reorganizar a estrutura administrativa do Executivo e unificar as leis complementares 235/2016 e 241/2017, quanto aos cargos de provimento em comissão.
Um dos cargos mais questionados do novo organograma é o dos "coordenadores regionais". A secretaria sustenta que não foram "criados" novos cargos, e sim, que "já existiam" na lei antiga, só que com outra nomenclatura. "Eram utilizados códigos e agora foram estabelecidos nomes específicos para cada função", esclarece a secretaria. "Vale frisar que foram extintos ao total oito cargos e por via de consequência da extinção ocorreu a transformação de cargos, mas sem qualquer impactação financeira aos cofres do município, conforme estabelece o artigo 28 do Projeto de Lei em questão", assegura o Executivo municipal.
O argumento é contestado pelo Observatório Social de Palhoça. A entidade fez um comparativo independente e concluiu que, comparando janeiro de 2017 com a situação estabelecida pela nova lei, o custeio da folha de pagamento vai ter um aumento de aproximadamente R$ 600 mil por ano. Dinheiro suficiente para construir pelo menos uma creche, considerando números atuais informados pela própria Prefeitura. Isto é, no mínimo 150 novas vagas para a Educação Infantil poderiam ser criadas com o "inchaço" calculado pelo observatório. "Não dá mais pra aceitar esse tipo de embuste. É inaceitável um PLC dessa magnitude, sem se fazer acompanhar de um consistente estudo de necessidades funcionais e de seu correspondente impacto financeiro. Sem isso, nós cidadãos temos todo o direito de achar que se trata de mais uma daquelas manobras manjadas e repugnantes para alavancar cabos eleitorais", avalia a entidade, em manifestação publicada nas redes sociais.
Os palhocenses também expressaram seu descontentamento com o "trem da alegria". Marcelo do Nascimento, morador da Ponte do Imaruim, compareceu à sessão e saiu revoltado. "Depois de tomar um chá de cadeira, numa sessão marcada para iniciar às 17 horas, mas começou às 17h45, e foi suspensa várias vezes (não sei se era uma forma de desestimular os participantes), mostrando total falta de respeito com quem acompanhava a sessão (presentes e pela internet), descobri que o pior estava para acontecer", desabafou, em sua página no Facebook.
Marcelo também expressou sua indignação em cálculos: ele calcula que só o gasto com os tais "coordenadores regionais" será de R$ 88 mil por mês _ suficientes para comprar uma ambulância a cada dois meses; ou manter até três equipes de socorro, com gasto estimado em R$ 30 mil (já contando com motorista, manutenção, combustível e seguro). O cálculo do total gasto com 15 coordenadores até o final do mandato também salta aos olhos: quase R$ 3 milhões.
E qual será a função desses coordenadores? Segundo o PLC, eles têm a atribuição de "fiscalizar e zelar pelo cumprimento de metas, prazos e planos estabelecidos pelo Secretário Executivo de Serviços Regionais"; "coordenar as atividades e políticas municipais de serviços públicos no bairro"; "zelar pelos equipamentos, materiais e espaços públicos destinados ao bairro"; "chefiar as atividades de fomento aos serviços públicos na localidade"; "administrar e supervisionar o mapeamento de locais, espaços e equipamentos na sua região"; "gerir e manter registro atualizado das ações executadas"; entre outras. "Realmente, pelo momento que estamos passando atualmente, é necessária a contratação desses coordenadores? Será que não é atribuição de nossos vereadores o papel de fiscalizar e zelar pelo cumprimento de metas, prazos e planos? Qual será o real objetivo do prefeito em relação a esses cargos?", questiona Marcelo. "É por essas e outras que nosso país está assim, esse é o cenário político atual, não são apenas os escândalos em Brasília, temos muita coisa imoral acontecendo aqui, em nosso município, bem embaixo do nosso nariz, e não podemos ficar quietos, precisamos mostrar a nossa insatisfação", conclui.
Reforma administrativa
Os salários dos tais "coordenadores regionais"
Ponte do Imaruim: R$ 8 mil
Rio Grande: R$ 8 mil
Praia de Fora: R$ 8 mil
Jardim Eldorado: R$ 8 mil
Aririú: R$ 6 mil
Caminho Novo: R$ 6 mil
Bela Vista: R$ 6 mil
Guarda do Cubatão: R$ 6 mil
Passa Vinte: R$ 5 mil
Madri: R$ 5 mil
Centro: R$ 5 mil
Aririú da Formiga: R$ 5 mil
Barra do Aririú: R$ 4 mil
São Sebastião: R$ 4 mil
Frei Damião: R$ 4 mil
Não há uma justificativa para as diferenciações salariais
Custo extra calculado pelo Observatório Social em função da reforma administrativa:
R$ 600 mil ao ano