Geraldo Rodrigues sentiu o gostinho de conquistar uma medalha pela primeira vez durante a fase regional Rio-Sul do Circuito Brasil Loterias Caixa de paratletismo, disputada entre os dias 13 e 14 de abril, em Curitiba. Foi a coroação de um esforço diário em nome de uma competição muito mais importante: para ele, atividade física é literalmente um sinônimo de vida.
Em 2017, a rotina de Geraldo, morador do São Sebastião, foi alterada radicalmente após um diagnóstico médico: mielite transversa (inflamação que afeta a medula espinhal e bloqueia a transmissão de impulsos nervosos) de origem bacteriana. “Fiquei paraplégico, fiquei um tempo de cadeira de rodas”, relembra Geraldo.
Mesmo nos momentos mais difíceis, manteve a atitude positiva. “Não sofri, não tive depressão. Acho que as pessoas que gostam de mim sofreram muito mais do que eu”, observa. Certamente, essa postura foi - e continua sendo - fundamental para a “virada de mesa”. Geraldo passou o ano fazendo tratamento médico - ainda faz: tem acompanhamento de médica ortomolecular, infectologista e neurologista; e é “cobaia” de estudantes de Fisioterapia. O tratamento surtiu efeito e em 2018 retomou a mobilidade nos membros inferiores, com grande ajuda das aulas de hidroginástica na Unisul, na Pedra Branca. “Não era para eu ter voltado a andar, ninguém explica, nem eu mesmo entendo”, observa.
Difícil, mesmo, é explicar onde busca tanta energia para cumprir a rotina diária de exercícios físicos. E não é apenas uma questão de “aprimorar a forma”. É uma competição cotidiana pela vida: toda noite, a musculatura atrofia. “Eu dormia, zerava toda a minha musculatura. Eu acordava em posição fetal e levava uns 15 minutos para ficar em pé; e para andar, uma meia hora”, recorda. Por isso, precisa fazer muito esforço todos os dias para manter a mobilidade e não voltar para a cadeira de rodas. Hoje em dia, a taxa de atrofia gira em torno dos 20% a 30%; antes, era de 100%. “Tenho uma doença degenerativa, todo dia eu tenho que treinar. Um dia que eu fique sem treinar ou sem uma suplementação, uma reconstrução celular, eu já começo a ficar de novo atrofiado”, detalha.
Mas Geraldo não se limitou a voltar a andar; este ano, ele se transformou em um atleta. Desde o início, a doença não o impediu de trabalhar (tem uma empresa de ar condicionado); nem no hospital foi capaz de deixar o trabalho de lado! E foi em um dia de trabalho que conheceu Fábio Araújo Martins, treinador que orienta atletas e paratletas em Biguaçu. Foi dele que partiu o convite para começar a competir no paratletismo. Era um desafio. Antes da limitação física, Geraldo era um “atleta de garagem”. Costumava pedalar e já tinha uma rotina regrada, sem bebida alcoólica, sem noitada, sem drogas, como todo bom atleta deve ter. Mas daí a encarar competições paralímpicas, aos 40 anos de idade (completou 41 no dia 11 de abril), parecia um horizonte muito distante.
O destino se encarregou de indicar o contrário, seis meses depois. Bastaram cinco semanas treinando uma vez por semana para encarar a primeira competição, a regional do Circuito Caixa, junto com as feras do paratletismo do Sul do país. Não tinha expectativa de pódio, foi apenas pela experiência de competir, mas quem tem o DNA da vitória nas veias não se intimida. Geraldo passou pela banca examinadora (que atesta a limitação física, requisito necessário para competir em esportes paralímpicos), entrou na classificação 38, competiu na corrida, no arremesso de dardo e no arremesso de peso, prova em que conquistou o bronze. “Sabe o que é tu viver um sonho que tu não sonhou? Eu vivo um sonho não sonhado”, comenta. “Que virada, de paraplégico para atleta”, diverte-se.
Mas os treinos não são nada “divertidos”. Depois da experiência positiva em Curitiba (PR), Geraldo procurou a Fundação Municipal de Esporte e Cultura (FMEC) de Palhoça e disse que gostaria de disputar os Parajasc (principal competição paralímpica amadora em Santa Catarina). Foi, então, encaminhado para o personal trainer Thiago Passos, responsável pela preparação física de atletas que representam o município em competições. Na sua academia, no Aririú, Geraldo faz um treinamento específico para os esportes que pratica. E não tem essa de “pegar leve” com atleta paralímpico. “Ele estava treinando sozinho e não conseguia chegar ao limite dele, falei que a intenção do treino é esta, exigir dele, levar ele até o limite, até porque atleta precisa desse estímulo, sai daquele treino rotineiro e tem que treinar em mais alto nível. Mas ele treina bem”, atesta o professor. “Eu me cobro muito, tenho que fazer valer o apoio que a Prefeitura está me dando, não estou aqui a passeio, tem muita gente envolvida”, diz Geraldo.
E toda essa determinação do atleta com a preparação física já está se refletindo nos treinamentos. “Já influenciou diretamente no treino. Em duas semanas com o Thiago, eu aumentei quatro metros a distância do arremesso”, destaca Geraldo. Até os Parajasc, em outubro, essa distância deve aumentar ainda mais. No horizonte, medalhas e índices se vislumbram. Não há limite para quem desafiou a própria limitação física em nome do esporte.