Texto: Isonyane Iris
Desde que o vídeo de um grupo de brasileiros incentivando uma estrangeira a repetir palavras obscenas foi publicado e viralizou, o clima nas redes sociais é de vergonha e revolta. Quatro dos envolvidos já foram identificados; entre eles, está o tenente da Polícia Militar Eduardo Nunes, que atua em Lages, mas até pouco tempo morava em Palhoça.
No vídeo, o grupo aparece cercando uma estrangeira e cantando "essa é bem rosinha", em alusão à cor do órgão sexual da moça. Nitidamente, ela parece não entender o idioma. Um dos rapazes pede que a moça repita os insultos. Sorridente e sem entender o que estava acontecendo, ela repete o que os rapazes pedem.
Segundo entrevista concedida ao Palavra Palhocense, amigas de Eduardo Nunes afirmaram que o rapaz morava no Jardim Aquarius até pouco tempo, quando foi aprovado em um concurso público e começou a atuar como tenente em Lages. Elas revelaram ainda que o rapaz sempre foi de fazer muitas piadas entre amigos, mas sempre de forma saudável. "Para mim, ele sempre foi muito legal e prestativo. Brincalhão, era aquele tipo de pessoa que faz amizade rápido. Quando vi o vídeo, senti muito pelo o que ele representa para a sociedade, veste a farda daqueles que devem prezar pela moral acima de tudo. Mas, não sei qual a situação que ele estava no momento", relata uma amiga, que preferiu não se identificar.
Outra colega de faculdade confirmou que Eduardo sempre gostou de brincar e de fazer as pessoas rirem, mas afirmou que ficou surpresa com o vídeo, pois o colega sempre foi uma pessoa muito centrada. "Com brincadeiras no nível desse vídeo eu não tinha visto. Me parece que foi um momento de empolgação, onde ele fez uma brincadeira de mau gosto. A brincadeira não foi legal, ele errou, como os outros. Ele era muito focado nos estudos, na profissão, batalhou muito para estar onde está. Talvez esse tenha sido um fato isolado", acredita.
Polícia Militar de SC
Após confirmar a participação do oficial, a Polícia Militar de Santa Catarina se posicionou contra o comportamento dele, destacando que a atitude do tenente, mesmo de férias, é classificada como incompatível com a profissão e o decoro da classe. "Assim que se der seu retorno, a corporação abrirá um processo administrativo disciplinar para apurar a conduta irregular do militar", afirmou o comando-geral, em nota oficial.
Ministério Público
O Ministério Público de Santa Catarina (MP/SC), por meio do promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça, requisitou ao comando da PM a instauração de um inquérito policial militar para apuração do suposto crime de racismo e assédio. Segundo o magistrado, o vídeo demonstra supostamente cenas de racismo, crime previsto na lei número 7.716/89, uma vez que, ao glorificar a cor da moça (branca), implica-se que outros tons de pele seriam inferiores.
O Promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça Neto, titular da 5ª Promotoria de Justiça da Capital, com atuação na área criminal militar, também requisitou a instauração de procedimento para a Corregedoria-Geral da Polícia Militar. "Os fatos noticiados indicam que há indícios de cometimento, em tese, de crime militar, ainda que perpetrado no estrangeiro, notadamente porque num dos vídeos o cidadão se identifica como primeiro-tenente", explica o promotor, no despacho encaminhado ao comando e à corregedoria-geral da PM na terça-feira (19).
Mais um palhocense
Dependendo do vídeo assistido, já que muitos integrantes do grupo de brasileiros filmaram, é possível perceber por alguns segundos que um outro palhocense aparece nas imagens. Esse rapaz estaria indignado com as acusações que estariam fazendo contra ele. O brasileiro explicou ao Palavra Palhocense que sua aparição foi apenas por achar que se tratava de uma entrevista para alguma emissora de TV, e que não tinha conhecimento do teor do vídeo. "Quando eu vi uma câmera maior (que parecia profissional) filmando, eu me meti para aparecer. Não consegui ouvir o que estava sendo cantado, até porque o clima era de festa pela rua e o barulho era muito alto. Eu jamais faria esse tipo de brincadeira, quem me conhece sabe que não tenho nada de machista, tanto que quando apareço não estou cantando ou mesmo participando dessa palhaçada e logo saio", explicou o palhocense.
Em uma nota oficial, ele ainda pede desculpas à família pela exposição e afirma que teve a infelicidade de estar passando pelo local e se posicionar em frente à câmera na hora errada. "Acho injusto usar um frame do vídeo em que apareço e me rotular como agressor. Eu apareço no meio da filmagem e saio antes do final, não canto nada. Não reconheço culpa, devo desculpas apenas à minha família pela exposição", acredita o palhocense.
Indignação nas redes sociais
Entre as mulheres, os comentários nas redes sociais eram de revolta. Machismo, preconceito e até falta de caráter eram algum dos termos usados por elas para definir a "brincadeira" dos brasileiros. Muitas se solidarizaram com a estrangeira do vídeo e tentaram imaginar a humilhação que a moça teria passado após descobrir o que estava sendo dito no vídeo. "Respeito. É apenas isso que todo homem deveria ter. Não somos objetos, não somos apenas órgãos sexuais, somos mulheres e merecemos o devido respeito. Fico imaginando a vergonha dessa moça ao saber o que estava falando para o mundo todo", escreveu a palhocense Carla Lins, em sua rede social.
As manifestações de revolta e vergonha não ficaram só por conta das mulheres. Homens também se manifestaram contra a atitude do grupo nas redes sociais. "Sinto vergonha, nojo, esses animais não podem ser chamados de homens", escreveu o professor palhocense Felipe de Souza.
Outros vídeos
O grupo de brasileiros não é o único a assediar mulheres na Rússia durante a Copa do Mundo. O vídeo publicado é apenas mais um entre inúmeros outros gravados pelas ruas de Moscou e de outras cidades russas. Todos com a mesma prática, de fazer estrangeiras repetirem palavras ofensivas. "Esse vídeo não é o primeiro, mas de verdade espero que seja o último. Estou cansada de ver brasileiros fazendo isso e publicando como se fosse uma simples brincadeira. Está na hora dos homens perceberem que respeito é o mínimo que se deve ter pelo próximo, seja ele homem ou mulher", desabafa a palhocense Yngrid Alves do Vale.
Cidadã russa faz abaixo-assinado
Em menos de 24h, uma petição criada por uma cidadã russa já acumula quase 2 mil assinaturas. No texto, existe um pedido específico de que os brasileiros presentes no vídeo peçam desculpas públicas tanto à moça quanto a todos os cidadãos russos. "Por seu machismo, desrespeito às leis da Federação Russa, desrespeito aos cidadãos russos, insultos e humilhação da honra e dignidade", destaca a petição, que também exige que todos os homens envolvidos no vídeo sejam levados à Justiça russa.
A jurista e referência na defesa dos direitos da mulher na Rússia Alyona Popova teria feito uma denúncia formal. Seguida por uma petição, onde ela descreve a atitude dos brasileiros como "atos contra a honra e a dignidade de outra pessoa", o pedido é que as punições variem de multa a restrições na Rússia. A jurista teria destacado que na legislação russa existem várias opções de multa aplicadas às pessoas que humilharam publicamente a honra e a dignidade alheias.
No documento, Popova ainda afirma que se comprovar que os estrangeiros cometeram os atos destinados a incitar o ódio ou inimizade, "bem como a humilhação de uma pessoa ou grupo de pessoas em razão do sexo, raça, nacionalidade, língua, origem, atitude à religião, bem como pertencentes a um tanto o grupo social, publicamente ou usando a mídia, eles podem ser levados à responsabilidade criminal".
Itamaraty e MPF
Na Embaixada brasileira em Moscou, os diplomatas afirmaram que já receberam e-mails criticando os brasileiros no vídeo em questão. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro não comentou sobre esse incidente específico, mas salientou que a "imensa maioria dos torcedores brasileiros é pacífica e respeitosa".
O Ministério Público Federal (MPF) informou na quarta-feira (20) que um procedimento investigatório criminal está sendo aberto para identificar os brasileiros que desrespeitaram a mulher na Rússia. O MPF investigará o crime de injúria. Isso porque, na gravação, o grupo de brasileiros faz a estrangeira repetir palavras que, em português, remetem ao órgão genital feminino, sem seu conhecimento. "Fazendo com isso com que a humilhasse publicamente a honra e denegrisse sua dignidade, diante de seu cunho nítido machista e discriminatório", versa o documento do MPF.
A decisão de investigar os brasileiros é tomada com base nos artigos 1 e 3 da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Ainda como o caso teria acontecido na Rússia, o processo investigatório pode também ser aberto com base no artigo 7 do Código Penal, que estabelece que ficam sujeitos à lei brasileira os crimes "que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; praticados por brasileiro".