Por: Sofia Mayer*
Durante duas semanas, as estradas tupiniquins foram a casa do engenheiro civil e empresário Bruno Sousa Silveira, morador da Praia de Fora. Em 4 de julho, motivado pelo desejo de aliviar o estresse e curtir uma boa aventura, o palhocense trocou o escritório pelas rodas, e começou a passagem por nove estados (SC, PR, MS, MG, GO, TO, MG, RJ e SP), mais o Distrito Federal, apenas com a motocicleta e uma mochila com pertences na garupa. Foram 7.564 quilômetros percorridos, que renderam a ele percepções de um Brasil desigual, que carrega o título de epicentro mundial da Covid-19.
As viagens se tornaram parte das atividades de férias do engenheiro em 2019, quando encontrou na motocicleta uma válvula de escape contra o cotidiano tumultuado. Vivendo um “novo normal”, no entanto, a trip não rendeu só visitas a espaços turísticos prestigiados do Brasil, como o Jalapão (TO), Bonito (MS) e o Caminho Real, onde o ouro era levado de Minas Gerais, durante século XVII, para São Paulo e Rio de Janeiro. A empreitada trouxe à tona a forma como aqueles que dependem do turismo estão se moldando para seguir trabalhando durante a crise.
Com o vírus à solta em todo o território nacional, alguns destinos tiveram que ser remanejados: “Foi uma vibe de mochilão adaptada à Covid-19, em função da incerteza de alguns roteiros turísticos estarem abertos ou não quando se chegava às cidades”, conta. Só nas entradas e saídas das capitais, em meio às rodovias federais, o motociclista precisou passar por cerca de 20 barreiras sanitárias, onde eram registradas informações referentes ao destino do viajante, bem como dados sobre o tempo de estadia no local e questões relacionadas à saúde. “Todos estão muito mobilizados”, Bruno contabiliza.
Mesmo de olho em diferentes biomas, relevos e culturas, foi fácil observar que, em comum, existe uma preocupação nos estados quanto às altas taxas nacionais da Covid-19 - medo que divide espaço com a necessidade de garantir a economia em plena atividade. “Em Ouro Preto, havia touca para colocar o capacete e visitar a mina de ouro, muita preocupação com contato e distanciamento social”, exemplifica. Entre munícipes, frentistas, comerciantes e cobradores de pedágio, o palhocense teve contato com pelo menos 450 pessoas. “Vi um Brasil muito trabalhador, de gente muito honesta, muito querida”, comenta.
Já a população brasileira, em geral, historicamente calorosa, não está preparada para medidas tão rigorosas de distanciamento social, de acordo com Bruno. “Não tem uma política de se resguardar para um momento como esse. O pessoal vê um viajante de moto e abraça, toca”, lamenta.
Desigualdades
O vislumbre motivado pelos traços modernistas da arquitetura de Oscar Niemeyer e pelo planejamento urbano singular da cidade de Brasília não deixaram dúvidas ao viajante de que a capital brasileira, por exemplo, está fora do contexto nacional: “Asfalto lisinho, bem sinalizado, super iluminado, prédios mirabolantes. Gasta-se muito dinheiro, enquanto o povo passa fome”. Para Bruno, o local é fruto de uma visão que está “200 anos à frente da realidade do Brasil”.
Para além dos aspectos estruturais, o engenheiro reforça que a possibilidade de se resguardar em meio à pandemia também revelou um cenário de desigualdade social. Ele comenta que, em Brasília, observou ruas menos movimentadas em comparação a outras cidades e capitais. De acordo com ele, esse cenário se dá em virtude do privilégio de boa parte da população em poder trabalhar em esquema de home office. “Quem coloca a mão na massa, que gera riqueza e valor está se expondo”, opina.
De acordo com ele, a própria região da Grande Florianópolis estaria em uma situação diferenciada em relação a boa parte do país, que, em geral, é marcada por uma infraestrutura precária e falta de saneamento básico.
Estilo de vida
Viajar foi a maneira que encontrou para se afastar de uma realidade de trabalho estressante. “Eu estava extremamente exausto, não conseguiria ficar aqui sem pegar umas férias”, narra. Entre 2014 e 2018, Bruno passou por crises intensas de estresse, que desencadearam, inclusive, em um diagnóstico de síndrome de pânico. Enfim recuperado, o motociclista decidiu viajar pela América do Sul, em 2019, com uma Scooter - seu primeiro trajeto longo em duas rodas. A escolha, para ele, foi um divisor de águas, que marcou a reconexão consigo mesmo e o início de um novo estilo de vida: “É uma válvula de escape”.
O engenheiro acredita que, em meio ao cenário de incertezas, é importante manter a mente sã, mesmo que isso signifique rodar por diferentes estados durante uma escalada de casos do novo coronavírus. “Pegar ou não é questão de sorte e é uma questão incontrolável”, comenta.
Perpectivas
Para o palhocense, a queda de braço entre atores políticos ficou ainda mais evidente depois da experiência itinerante. Ele comenta que hoje, no país, não existe uma política unificada para conter a Covid-19 ou para sair de uma situação de crise. “O Brasil só vai ‘sair da lama’ quando as frentes se alinharem e trabalharem com o mesmo objetivo”, receita.
* Sob a supervisão de Luciano Smanioto
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