Em qualquer lista que relacione as cenas marcantes da reta final da novela “Órfãos da Terra”, da Rede Globo, encerrada na última semana, certamente irá figurar o casamento entre as personagens Camila (Anaju Dorigon) e Valéria (Bia Arantes), que foi ao ar na última quinta-feira (26). Conturbações da trama novelesca à parte, é uma cena cada vez mais comum. O cartório de registro civil de Palhoça tem registrado uniões homoafetivas com uma frequência cada vez maior - inclusive com a realização de casamentos coletivos, por três anos seguidos. Nesta quarta-feira (2), mais um casal oficializou sua união no cartório: Romário Meurer e Maicon Goulart de Sousa, ambos com 25 anos de idade, driblaram preconceitos e mostraram que não existem obstáculos intransponíveis para o amor.
A festa de celebração da união será realizada neste sábado (5), no Cantinho da Natureza, sítio situado em Santo Amaro da Imperatriz. “Sempre foi um sonho meu, desde pequeno. Sempre tive vontade de casar na igreja, mas nunca me imaginava casando com uma mulher, então, era um sonho, mas eu não me via realizando”, declara Maicon. Mas o sonho está se realizando. A apresentadora Laine Valgas vai oficiar a cerimônia, ao ar livre. O casal, que é católico e devoto de Nossa Senhora Aparecida, convidou um padre, mas ele se anunciou impossibilitado de realizar a celebração, em função dos dogmas da Igreja. Apenas uma, entre tantas barreiras que o casal contornou no processo de organização do casamento.
Ou melhor: apenas uma entre tantas barreiras que Romário e Maicon vêm superando a vida toda. Romário foi o primeiro a anunciar à família que era homossexual. A parte mais complicada foi contar ao pai. Contou com a ajuda de uma tia psicóloga, que organizou uma dinâmica de grupo com membros da família para o momento da revelação. “Na hora, eu não consegui falar”, lembra Romário, que tinha 17 anos, na época. O pai reagiu mal, na hora, mas pouco tempo depois já retomou o lado protetor da paternidade e ofereceu apoio ao filho, que foi batizado assim em homenagem ao ex-craque da Seleção Brasileira - o que não é de se estranhar, já que nasceu em 1994, em plena euforia do tetracampeonato mundial do Brasil, comandado pelo Baixinho.
Mas Romário nunca gostou de futebol. Ao contrário de Maicon, que sempre curtiu o esporte, mas sofria com o preconceito na escola. “Sempre sofri um pouco com preconceito. Adoro futebol, mas na escola, nunca fui colocado dentro do time, era um menino mais tímido, reprimido. Imaginava que eu nunca iria me assumir, porque eu não me aceitava”, conta Maicon.
Ele demorou para contar aos familiares. A revelação veio, somente, depois que conheceu Romário, em uma festa em uma casa noturna voltada ao público LGBT, em Florianópolis. “Quando eu vi ele na balada, eu disse: é ele”, lembra Romário. E era mesmo! Já estão juntos há três anos e têm ótima relação com os familiares. “Nossos familiares perceberam que nosso caráter não mudava em função da gente ser homossexual”, observa Maicon. “A gente tem sorte de ter a família que a gente tem”, emenda Romário, que é formado em Gastronomia.
A família se mobilizou em torno do casamento, assim que os noivos anunciaram o noivado, há cerca de um ano e meio. “O pessoal se emocionou. Até meu pai chorou, o que eu não esperava. Meu pai mudou da água para o vinho”, celebra Romário. Como são devotos de Nossa Senhora Aparecida, eles queriam que o casamento acontecesse no dia 12 de outubro, mas não conseguiram reservar o sítio nesta data, então, anteciparam a festa em uma semana. Uma festa que vai ter referências LGBTs em detalhes da decoração, na recepção aos convidados e até no cardápio de bebidas. E também vai ter um momento de reflexão.
A entrada dos noivos vai ser acompanhada por um vídeo mostrando que a homofobia é uma situação muito séria e perigosa, mas que não há barreiras intransponíveis para o amor. “É para realmente impactar as pessoas que ainda têm preconceito”, explica Maicon, que cursa Educação Física e trabalha em uma academia. “Ainda escuto muita piada sobre homossexualismo. Tem muita gente que não aceita, ainda tem bastante preconceito, isso é muito nítido”, lamenta Maicon. “A gente ainda é visto pela sociedade como ‘algo errado’, e isso precisa mudar”, sentencia.