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NA mantém trabalho diante da pandemia

Narcóticos Anônimos se reinventa para manter auxílio a usuários de drogas diante das restrições sociais impostas pelas autoridades

3598effef355bb99810e76e99ca3ee30.jpeg Foto: LUCIANO SMANIOTO

As medidas de afastamento social propostas pelas autoridades catarinenses – e no mundo todo – em função pandemia do novo coronavírus afetaram, também, o trabalho de entidades e associações que prestam um serviço importante na sociedade, como as que ajudam no tratamento e na recuperação de pessoas que enfrentam o vício em álcool e drogas. A irmandade Narcóticos Anônimos (NA), por exemplo, que atua em Palhoça desde 1995, precisou trocar as reuniões presenciais pelos encontros virtuais.

O NA foi fundado no sul da Califórnia, nos Estados Unidos, em 1953. As primeiras reuniões ocorreram em Los Angeles. No Brasil, a chegada da instituição foi registrada em 1978, em São Paulo; em Santa Catarina, o trabalho iniciou em dezembro de 1993. Até o início da pandemia, havia 1.550 grupos, espalhados por 26 estados e mais o Distrito Federal, com 4.200 reuniões semanais. 

Em Palhoça, o primeiro grupo foi aberto em 1995. No dia 30 de junho daquele ano, ocorreu a primeira informação ao público (IP), e logo depois foi realizada a primeira reunião. O grupo está no mesmo local e na mesma sala desde então, nos fundos da Igreja Matriz, no Centro de Palhoça, onde também se reúnem os frequentadores do Alcoólicos Anônimos (AA). O grupo, nomeado “Só por Hoje”, é um dos mais antigos em atividade em Santa Catarina. Além deste, existem outros dois grupos do NA em Palhoça: o “Anjos da Guarda”, na rua Inez Maria de Jesus, anexo ao Salão Paroquial da Igreja Santa Terezinha, na Guarda do Embaú, que mantinha reuniões às sextas-feiras, às 20h; e o “Mente Aberta”, na rua João José da Silva, anexo à Igreja São Francisco, no Alto Aririú, com reuniões às segundas-feiras, quartas-feiras e sábados, às 20h.

No “Só por Hoje”, as reuniões aconteciam às terças, quintas, sextas e domingos (esta, abertas aos familiares), às 20h. Com a ameaça da Covid-19 e as medidas restritivas impostas pelo governo do estado e referendadas pela Prefeitura, as reuniões presenciais foram suspensas e os três grupos foram “reunidos” em um encontro virtual, realizado todos os dias, às 20h, pela plataforma online Zoom.

Mesmo com as atividades adaptadas ao afastamento social, o NA registrou ingressos de novos adictos aos grupos de Palhoça – foram três ingressos na semana passada. E o telefone da linha de ajuda, outro serviço oferecido pela irmandade, continua ativo e recebendo ligações de pessoas que buscam auxílio para se afastarem do mundo das drogas.

Um auxílio que foi fundamental na vida de um ex-adicto, hoje morador de Palhoça, que vamos chamar de “Gabriel”. Aos 48 anos, “Gabriel” vive uma vida maravilhosa, como ele mesmo descreve, ao lado da esposa e dos três filhos. Já são 23 anos de abstinência. “Eu achava que eu ia morrer usando drogas. Consegui paralisar, consegui salvar minha vida”, relembra.

O problema começou muito cedo. “Gabriel” não conheceu o pai; foi criado pelos avós, em Florianópolis. Não gostava de encarar a realidade da vida, não aceitava a pobreza. Com 12 anos, conheceu o álcool e já bebia até passar mal – o que, para ele, era um ritual de autoaceitação e de autoafirmação social. Com 15 anos, o problema era tão grave que a família “já não aguentava mais”. Passou a morar com a mãe a partir dos 16 anos, e para se enturmar na nova vizinhança, buscou amizades entre os “bagunceiros” do bairro e acabou conhecendo a cocaína. “Peguei um canudo com uma nota de 10 cruzados, cheirei e falei: isso aqui eu vou guardar de recordação. Mas peguei aqueles 10 cruzados para fazer uma vaquinha e comprar mais cocaína”, relembra. Ali, começou o vício que ameaçou sua vida. Foram mais de 10 anos usando drogas: cola, lança-perfume, maconha, cocaína e já estava chegando ao ponto de usar crack, o mais debilitante e viciante dos entorpecentes, quando parou. “Foi uma dádiva minha”, sentencia.

No caminho tortuoso até a reabilitação, perdeu emprego por causa do uso de drogas, perdeu mulher (os móveis que ela deixou quando partiu foram vendidos para comprar droga) e perdeu a dignidade, durante sete meses de um mergulho no submundo da sociedade. Sete meses de trouxa na mão, dormindo do lado da igreja ou em algum cantinho que os “amigos de bar” cediam. Sete meses praticamente sem tomar banho, sem escovar dentes. “Virei escravo do uso de drogas. Já tinha essa consciência, mas não conseguia parar. Eu pedia a Deus para me tirar daquela loucura”, recorda.

De alguma forma, recebeu a ajuda divina que tanto desejou para escapar do inferno das drogas. Tinha 25 anos, havia acabado de arrumar um novo emprego, mas continuava usando drogas. Pior do que isso: estava pensando em comprar uma arma e “fazer besteiras”. Certo dia, antes que esses “pensamentos ímpios” se materializassem, entrou em uma capela na maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis, durante uma atividade do trabalho. A Bíblia estava aberta e “Gabriel” leu o trecho de Provérbios: "Ainda que um justo caia sete vezes, sete vezes tornará a se erguer; os ímpios, todavia, são arrastados para a desgraça". “Quando eu li aquilo, eu chorei. Digo que ali foi o meu despertar espiritual”, narra.

A partir daí, aceitou a recuperação. Até então, não sabia que era uma doença. Não cogitava a possibilidade de internação em uma clínica de recuperação e nem conhecia os Narcóticos Anônimos. A psicóloga da empresa onde trabalhava foi quem indicou um grupo de ajuda do NA, o grupo “Esperança”. No dia 26 de setembro de 1996, pesando apenas 57kg – mede 1m78 e pesa 81kg atualmente – e com uma aparência cadavérica, participou da primeira reunião. A expressão “Só por hoje” teve um impacto redentor na sua mente. Conseguiu absorver o conceito de que a batalha precisa ser vencida dia após dia, um dia de cada vez, e fez mais de 200 reuniões seguidas, ao meio-dia e à noite. Livrou-se do vício e com quatro anos “limpo”, conheceu a esposa, namorou, casou e hoje tem uma família linda e bem estruturada, com três filhos. “Gabriel” ainda partilha sua experiência, ainda ajuda o NA a difundir sua mensagem de esperança aos adictos em droga que procuram a irmandade. 


Narcóticos Anônimos

Problemas com Drogas? Nós Podemos Ajudar

Narcóticos Anônimos (NA) é uma irmandade ou sociedade sem fins lucrativos, de homens e mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior. São adictos em recuperação, que se reúnem regularmente para ajudar uns aos outros a se manterem limpos.
É um programa de total abstinência de todas as drogas e há somente um requisito para ser membro: o desejo de parar de usar. “Sugerimos que você mantenha a mente aberta e dê a si mesmo uma oportunidade”, ensina o NA.
O programa é um conjunto de princípios escritos de uma maneira simples, que possa ser seguido na vida diária. “O mais importante é que eles funcionam”, atesta.
Não há internação, e sim, reuniões com partilha de sentimentos e emoções. Usam o sistema dos 12 passos do Alcoólicos Anônimos. E três premissas básicas: parar de usar droga só por hoje, perder o desejo de usar droga e encontrar uma nova maneira de viver.
O NA não tem subterfúgios, não é filiado a nenhuma outra organização, não tem matrícula nem taxas, não há compromissos escritos, nem promessas a fazer a ninguém. Não está ligado a nenhum grupo político, religioso ou policial.
“O recém–chegado é a pessoa mais importante em qualquer reunião, porque só dando podemos manter o que temos. Qualquer pessoa pode juntar-se a nós, independente da idade, situação financeira, raça, orientação sexual, crença, religião ou falta de religião”, destaca o NA, assegurando que, pela experiência coletiva em décadas de trabalho, “aqueles que continuam voltando regularmente às nossas reuniões mantêm-se limpos”.
Há 18 grupos na Grande Florianópolis, e três em Palhoça, no Centro, no Alto Aririú e na Guarda do Embaú.
Mais informações no site na.org.br ou através da linha de ajuda: 99137-1953. 

 

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