Por: Sofia Mayer*
Comerciantes do Centro de Palhoça estão fazendo um abaixo-assinado para que o Poder Público municipal tome providências com relação a um senhor que costuma ser visto ameaçando lojistas e danificando paradas de ônibus. Cópias do documento estão disponíveis em lojas do bairro para assinatura dos interessados. De acordo com munícipes, o homem, que está em situação de rua, possui deficiência intelectual.
Após o recolhimento dos nomes, o documento será enviado ao Ministério Público, com cópia para a Prefeitura de Palhoça. A expectativa é a de que providências possam ser tomadas pela Secretaria de Assistência Social e pela Promotoria Pública. Atores políticos municipais, como o vereador Joel Filipe Gaspar (Pakão, PSB), também assinaram o pedido.
De acordo com a lojista que iniciou a ação, o abaixo-assinado é uma recomendação do agente da Polícia Militar que registrou um Boletim de Ocorrência (BO) após o homem aparecer em seu estabelecimento portando uma faca. De acordo com a comerciante, os funcionários presentes foram ameaçados na ocasião. “Chamei a polícia e levaram para a delegacia. Depois de umas duas horas, ele estava de volta”, conta.
Agentes do 16º Batalhão da Polícia Militar, em Palhoça, explicam que, como o homem possui uma deficiência, em regra, o caso deixa de ser de caráter policial e passa a envolver a necessidade de um tratamento adequado. Em casos de violência ou ameaças, no entanto, a orientação da PM é a de que as vítimas utilizem o serviço de emergência, o 190, para atendimento.
Caso não é isolado
Uma vendedora de loteria de números que trabalha na rua e tem acompanhado o que acontece na região central de Palhoça conta que foi ameaçada com uma faca. A situação teria acontecido no fim do dia, depois que lojistas retiraram parte do lixo que o homem costuma armazenar na calçada. “Já era final do dia, fui levar minha mesinha lá para dentro do escritório, e quando voltei para pegar minha bicicleta, ele já estava gritando, transtornado, porque foi tirado um pouco dos lixos”, relata. De acordo com ela, há diariamente resíduos de comida, papelão, fezes e ferro de construção. “Esses dias, tinha uma mãe passando com a menininha, e quase furou o olhinho dela”, conta.
As ameaças, primeiro, foram destinadas a um comerciante, que teria reclamado da cama de papelão em frente à porta da loja. “Eu fiquei quieta porque vi que ele estava agitado. Ele olhou para mim e disse: ‘Mato você também’. E veio para cima de mim”, narra. Segundo ela, o homem chegou perto, ameaçando fincar a faca em sua barriga: “Eu não tinha para onde correr, porque ele meio que me encurralou. Ninguém tentou me ajudar, porque ficaram com medo. Ele falou um monte, me xingou, falou que não era pra mexer nas coisas dele”.
Não é de hoje que os trabalhadores convivem com transtornos causados pelas atitudes agressivas. No entanto, a vendedora revela que a situação do homem tem piorado: “Nesses últimos tempos, o que eu vejo é ele muito violento”. Existe o receio de que, por trabalhar na rua, acabe ficando mais vulnerável aos ataques. “Eu preciso trabalhar, não estou trabalhando de carteira assinada, eu preciso desse dinheirinho. Lá em casa, só o que está sustentando é isso e o benefício que minha filha recebe, que tem deficiência física”.
O desejo da vítima, no entanto, é que ele possa ter um tratamento adequado. “Ninguém toma providência para ele poder sair dessa condição de rua. Ele precisava de uma clínica, ser bem cuidado. Pelo menos, teria onde dormir, teria remédio. Se não tiver acompanhamento e tratamento, não fica bem”, opina.
Nanderson Coelho, proprietário de uma farmácia, também passou por uma situação desagradável. Em uma manhã do final de junho, ele foi informado que o homem estaria em seu estabelecimento, arrancando ferros de proteção da área externa. Preocupado, correu ao local e pediu para que ele os colocasse de volta. Ele conta que o senhor, então, atirou uma pedra em sua direção: “E era uma pedra de paralelepípedo, bem grandona. A sorte é que não pegou”.
Ele comenta que a situação traz insegurança para os comerciantes do bairro: “Muita gente transita aqui na frente”. De acordo com ele, os ataques se estendem a estabelecimentos vizinhos: “Ele pegou uma barra de ferro que estava ali por perto e bateu na esteira da joalheria”.
Repercussão
O vereador Jean Henrique Dias Carneiro (Jean Negão, Patriota) se pronunciou sobre o caso, afirmando que fez uma solicitação para que a Secretaria Municipal de Assistência Social entregue um relatório sobre o homem. A ideia é levantar informações sobre sua tutoria, tendo em vista que apresenta deficiência intelectual e merece acompanhamento especializado. “Ele não sabe as consequências dos atos dele. Pelo menos a lei imputa isso a ele, essa incapacidade”, afirma.
Vereadores também se manifestaram em sessão da Câmara desta segunda-feira (10), após João Carlos Amândio (Bala, PSD) levantar o tema na tribuna. De acordo com Bala, o município deveria, junto ao Ministério Público, tentar uma internação compulsória para o cidadão. “A comunidade não sabe mais o que fazer. Eu sei que muitas coisas já foram feitas para tentar tirar aquele cidadão, mas não tem condições, de forma alguma, daquele cidadão ficar. Tornou-se alguma coisa muito séria no centro do município”, expõe.
O município teria tentado uma internação no final de 2019, de acordo com o vereador Rosiney Horácio (PSD), secretário de Saúde à época. Segundo ele, na ocasião, a família teria alegado que o homem não é portador de deficiências. “Discordou, dizendo que tinha documentos médicos afirmando que ele não precisava ser internado”, explicou, durante a sessão. Ele propõe que, junto com as secretaria de Saúde e de Assistência Social, o caso seja levado ao Ministério Público para encaminhamentos.
O que dizem os especialistas
A advogada e professora de Direito Janaina Carvalho de Souza explica que, se efetivamente comprovada a condição de pessoa acometida de transtorno mental, a lei garante inúmeros direitos. “Por exemplo, ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, ante suas necessidades, além de ser tratado com humanidade, respeito e ter preferência em serviços comunitários de saúde mental”, comenta.
Ela frisa que é responsabilidade do Poder Público desenvolver políticas de saúde mental, assistência e promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, sempre com a devida participação da sociedade e da família. “Disponibilizado o tratamento e, ainda assim, restando comprovada por laudo médico a necessidade de internação, esta poderá ser determinada com ou sem consentimento do indivíduo em tratamento, a pedido da família ou da Justiça”, ensina.
A advogada lembra, porém, que a preocupação atinge toda a sociedade, suscetível às ações deste ser humano, destituído de cuidados e tratamentos, que por vezes se apresenta arredio e violento. “Restando inertes quanto ao seu tratamento, caberá aos familiares e/ou ao Estado (quando não disponibilizar tratamento adequado) a responsabilidade pelos danos civis causados, além do fato de ser imposto ao portador de transtorno mental, quando do cometimento de um delito, medida de segurança, respondendo a um processo criminal”, explica.
Considerando o momento de urgência e vulnerabilidade, de acordo com Janaina, “cabe à família e ao Poder Público, em conjunto, buscar a disponibilização imediata de tratamento e acompanhamento do indivíduo portador de transtorno mental, visando a sua segurança e a de todos”.
* Sob a supervisão de Luciano Smanioto
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