Por: Sofia Mayer*
Nem a tradicional MayBear, que embalou gerações por quase 40 anos, resistiu à crise provocada pelas medidas de enfrentamento à pandemia da Covid-19. Conhecida por acolher um público mais velho, a danceteria foi, na verdade, um dos espaços mais ecléticos e democráticos de Palhoça. Presenteado com um público fiel, dividido entre os apreciadores dos cafés coloniais das quintas-feiras e os adeptos às festas regadas à boa música ao vivo, o espaço inegavelmente se tornou parte da memória dos palhocenses.
Fechado desde março, os sons das obras comunicam que o local, daqui a alguns meses, se tornará uma galeria comercial. “Indenizei todos os funcionários, paguei todo mundo, resolvi não abrir mais”, afirma Marcelo Ilso Viana, que estava no comando da casa noturna há quase oito anos, desde a morte do fundador Bernardino May. Segundo ele, o espaço possuía cerca de 20 trabalhadores contratados, além dos incontáveis serviços terceirizados.
O clube, que inicialmente se chamava Danceteria Guarani, foi criado em 1981 pelos sócios Bernardino e Gabriel (guitarrista), ambos músicos do grupo “Os Aventureiros”. Com a saída do parceiro, porém, Bernardino assumiu o comando do negócio e passou a investir seus esforços na criação de um espaço diferenciado para o encontro dos palhocenses. “Ele ficava muito feliz em ver as pessoas felizes”, lembra Marcelo Ilso Viana, concunhado de Bernardino. O dinheiro, segundo ele, não era a prioridade do proprietário.
Antes de assumir o negócio, Marcelo trabalhou como funcionário de Bernardino por 17 anos. Ele conta que os aprendizados adquiridos no período foram tão inspiradores que, depois de sua morte, em 2012, aceitou o desafio de dirigir a danceteria. “Assim que ele adoeceu, assumi as coisas”, relembra. A ideia inicial da família era disponibilizar o espaço físico para lojas, mas acabou passando o aluguel para Marcelo, que honrou o trabalho do antecessor até 2020.
MayBear: um nome com significado
A mudança para o nome MayBear aconteceu há cerca de 20 anos. A ideia de Bernardino era lançar uma estética mais jovial, que pudesse ampliar o público local. Com a reformulação da identidade, então, veio também a necessidade de alterar a programação: as tardes de quinta, por exemplo, continuaram acolhendo pessoas mais velhas, que não perdiam o tradicional café colonial da casa. Já aos sábados, com a aquisição de uma pista de dança, um público fiel começou a bater ponto nas famosas festas com bandas musicais.
Marcelo brinca que o nome, embora abra espaço à dúvida, não vem de cerveja. Diferente da bebida, que em inglês se escreve “beer”, a palavra “bear” significa “urso” em português. A ideia era trazer as características do animal à marca, já que possui força incomparável.
Palhoça, cidade comercial
Com mais um espaço de entretenimento fechando, Marcelo acredita que faltarão opções de diversão em Palhoça, sobretudo para o público mais velho. “Passaram gerações por esse clube”, enfatiza. Em obras, depois de sete meses de portas fechadas, o espaço passará a ser uma galeria comercial. “Palhoça vai ficar carente neste segmento”, projeta.
A readequação segue uma tendência municipal. Marcelo lembra que Palhoça hoje é uma cidade predominantemente comercial, característica que causa certa limitação para o funcionamento das casas noturnas. “Para abrir coisa à noite, tem que ter acústica boa”, exemplifica. Contudo, em razão da boa estrutura de isolamento da casa, e por estar localizada em frente a uma BR, a MayBear não enfrentou inconvenientes.
Uma vida dedicada à MayBear
A filha de Bernardino, Elisa May, conta que o clube sempre esteve presente na vida do pai. “Foi a vida dele, até o último suspiro”, lembra. Ela recorda que a MayBear se tornou, inclusive, palco de momentos importantes para os palhocenses, abraçando diferentes gerações de uma mesma família. “Muitas pessoas conheceram seus maridos e esposas ali, formaram família, e os netos dessas pessoas frequentavam ali”, diz.
Uma dessas personagens é Letícia, leitora do Palhocense. Ela revelou que foi em um evento da casa que conheceu o marido: “Estamos juntos há 22 anos”. Outras pessoas também recordam de um tempo divertido nas pistas do clube palhocense: “Frequentei muito o MayBear. Vai deixar saudades”.
* Sob a supervisão de Alexandre Bonfim
Lembranças de uma Palhoça boêmia
A danceteria MayBear vai deixar saudade, como tantos outros clubes noturnos e espaços de festas que fizeram parte da boemia palhocense. O fundador do jornal Palhocense, o escritor João José da Silva, relembra, em seu livro "Memória Palhocense", algumas dessas casas.
Miami Clube, no Aririú (foto abaixo), também conhecido como Danceteria da Bida, marcou época nos anos 1980. Tanto que diz o folclore popular que o "Pé Redondo" andou dando uma aparecidinha por lá para curtir o bom “dancing days” que a casa apresentava! Puro folclore, pois diziam que ele também andou aparecendo no Snoopy Bar, mas eu nunca vi!
Palcos de muita festa e curtição, fizeram história casas como: Pirâmide, Wângler, Cruzeiro, Sanris, Atlântico e Guarani.
Eram boas as tardes de domingo
Quando saíamos faceiros
Dávamos uma passadinha no Miami
E uma espiadinha no Guarani com os
companheiros
Depois de na Wângler passar
Ver que a Pirâmide estava a bombar
A gente chegava ao Sanris ou ao Cruzeiro.
Domingo à noite era sagrado,
Obedecíamos o mesmo cântico
Todos os caminhos nos levavam
Pra Barra no Clube Atlântico
Correndo o risco de apanhar
Se com uma moça namorar
E com ela não ser romântico.
* Versinhos presentes no livro
Memória Palhocense, de João José da Silva