O Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE/SC), reunido em sessão plenária por videoconferência nesta quinta-feira (6), avaliou o recurso criminal 0600088-50.2019.6.24.0000 ajuizado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) e por Ivon Jomir de Souza, como assistente de acusação em processo que apurava suposta fraude praticada por integrantes do PSDB de Palhoça, às vésperas da eleição municipal de 2012. Por unanimidade de votos, o tribunal negou conhecimento ao recurso de Ivon e reconheceu mas negou provimento ao recurso do MPE. Os recursos pretendiam reformar a sentença proferida em primeira instância pelo juiz eleitoral André Augusto Messias Fonseca na ação penal 399-23.2016.6.24.0024, que absolveu as três pessoas acusadas na ação. Trata-se de uma das questões centrais que culminaram na cassação do registro de candidatura da chapa Força e União, encabeçada por Ivon e que venceu as eleições municipais de 2012 nas urnas, mas nunca assumiu a Prefeitura.
Ao abrir a discussão do recurso criminal, o relator, o jurista Rodrigo Fernandes, mencionou que tratava-se de uma matéria extensa (o processo tem sete volumes físicos, 2 mil laudas e inúmeras testemunhas ouvidas nas fases policial e jurisdicional) e buscou fazer um resumo dos fatos.
Na notícia-crime, apresentada ao promotor de Justiça em 13 de junho de 2013, Ivon Jomir de Souza requereu a instauração de processo investigatório para a apuração da autoria do crime de fraude, praticado nos autos de processo em trâmite na 1ª Vara Cível da Comarca de Palhoça. Ivon relatava que a situação do PSDB de Palhoça estava bastante conturbada desde 11 de março de 2012 e que tinha divergências – “em decorrência de interesses escusos” – com o então presidente da Comissão Executiva Municipal do partido, Carlos Alberto Fernandes Júnior (Caco), com relação à futura administração da autarquia Águas de Palhoça. Ivon afirmava que, até então, a autarquia estava sob a influência do pai de Caco, e que pretendia a devolução da concessão da exploração dos serviços de água e saneamento à Casan. Ivon declarava que essa divergência teria desencadeado uma “trama” contra ele, então candidato único do PSDB à majoritária em Palhoça.
Segundo consta nos autos, no dia 11 de dezembro de 2011, em convenção da Executiva Municipal do PSDB, realizada na Câmara de Vereadores, para a eleição do Diretório Municipal, teriam sido eleitos os membros da chapa única, Força e União. O registro da chapa foi requerido por Ivon em 22 de novembro de 2011. Em razão das desavenças internas com o presidente da Comissão Executiva Municipal do PSDB (Caco), foi realizada uma reunião extraordinária de membros da Executiva Municipal em 12 de março de 2012, ocasião em que houve a dissolução do diretório eleito em 11 de dezembro de 2011, com a nomeação de comissão provisória pela Executiva Estadual, através da resolução do PSDB número 01, de 2012. Ivon considerava a ação ilegítima e declarava que 17 nomes eleitos em dezembro de 2011 haviam sido substituídos por outros 17 nomes na reunião de março de 2012, de forma fraudulenta.
A partir das denúncias, foram abertos os inquéritos policiais 5.13.00383 e 0003445-57.2014.8.24.0045. Em 10 de julho de 2014, o MPE ofereceu denúncia aos investigados, denúncia recebida pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Palhoça em 2 de setembro de 2014. No decorrer do processo, em 15 de junho de 2016, Ivon solicitou habilitação para atuar como assistente da acusação e foi atendido. No dia 28 de julho de 2016, foi noticiado o teor da decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que expediu o habeas corpus 4005914-75.2016.8.24.0000, determinando a remessa da questão à Justiça Eleitoral, em razão do reconhecimento da incompetência da Justiça Estadual para processar o caso.
No dia 31 de outubro de 2016, a Justiça Eleitoral ofereceu denúncia aos três réus citados no processo: Caco e o secretário do partido, Allan Pyetro, foram inclusos nos artigos 349, 350 e 353 do Código Eleitoral; e a recepcionista Sandra de Paula foi inclusa no artigo 350. Todos foram absolvidos em primeira instância, e por isso, a acusação entrou com o recurso junto ao TRE/SC.
O relator que analisou o recurso dividiu a denúncia apresentada pelo órgão ministerial em cinco capítulos. Três dos capítulos diziam respeito às acusações, de fato. Quanto à imputação no artigo 349 do Código Eleitoral (“Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro, para fins eleitorais”), a denúncia sustentava que os denunciados haviam falsificado um documento com a relação dos integrantes da chapa Força e União, elaborando uma nova relação, na qual foram excluídos membros eleitos e incluídos, em seus lugares, outros nomes que não faziam parte da chapa eleita originalmente.
Quanto à imputação pelo artigo 350 do Código Eleitoral (“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”), a acusação argumentava que, além da falsificação material dos integrantes da chapa Força e União, os denunciados também teriam inserido declaração falsa e omitiram declaração verdadeira no livro de atas do PSDB de Palhoça.
Finalmente, quanto à imputação pelo artigo 353 (“Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados”), dizia a acusação que os acusados fizeram uso dos documentos falsificados para instrução em ação judicial.
Em primeira instância, a sentença julgou as denúncias improcedentes por ausência de prova suficiente. Então, foram ajuizados os recursos. Após a análise dos recursos, Rodrigo Fernandes ponderou que não deveria ser aceito o recurso de Ivon, como assistente de acusação, porque o apresentou “desacompanhado de razões”, e entende o relator que a peça deveria estar devidamente fundamentada para ter sido aceita.
Sobre o recurso do MPE, entendeu que era legítimo, porém, sugeriu que o tribunal negasse provimento. "Não consta, nos autos, e este ponto eu penso que seja crucial, o documento o qual o assistente de acusação e o Ministério Público acreditam ter sido falsificado. Como a análise do delito de falsificação de documentos imprescinde do objeto material, que é justamente esse documento, não há como, por ausência de materialidade, deferirmos um decreto condenatório em relação a esse delito específico, porque não consta nos autos o documento que a acusação afirma ter sido falsificado", justificou o jurista.
Com relação à imputação ao artigo 350, o relator menciona a análise das provas testemunhais e diz que os depoimentos colhidos nos autos foram analisados detalhadamente no voto. Rodrigo Fernandes argumentou que havia diversas contradições em vários depoimentos; relata que pessoas que teriam sido eleitas para fazer parte do diretório não tinham certeza se tinham ou não sido eleitas, e que outras falavam que não tinham colocado o nome à disposição. "Constato que a certeza demonstrada por algumas testemunhas ao afirmarem que integrariam a lista oficial da chapa Força e União decorria apenas e tão somente das promessas por elas recebidas das lideranças partidárias no momento em que foram convidadas a se filiarem ao partido, situação que, como visto, poderia ser modificada até o início da convenção, sem que necessariamente os interessados fossem comunicados das alterações posteriormente realizadas. De outro lado, além da falta de um conjunto probatório harmônico e consistente que aponte a prática do ilícito e de seu elemento volitivo pelos acusados, me causa estranheza o fato de que o assistente de acusação, frente à ilegalidade que afirma ter ocorrido, tenha demorado praticamente dois anos para denunciar os fatos que deram início à presente ação penal. Não é crível que, na época, as partes envolvidas, diante de tais fatos, não tenham tomado as medidas necessárias para salvaguardar seu direito, em especial, deixado de trazer a Juízo uma cópia do requerimento de registro da chapa e da respectiva lista de integrantes entregues aos diretórios municipal e estadual. Resta claro, portanto, que o conjunto probatório produzido nos presentes autos tem lacunas intransponíveis, que trazem dúvidas e contradições que não restam devidamente esclarecidas na esfera penal", destaca o relator, reforçando que há precedentes na corte catarinense no sentido da impossibilidade da condenação diante de um conjunto probatório “frágil e insuficiente”.
E com relação ao artigo 353, definiu: "Como, no meu ponto de vista, não ficou comprovada a falsificação, por via de consequência, o crime da utilização do documento falso também deixa de subexistir".
Assim, sugeriu que fosse mantida de forma incólume a sentença recorrida. O voto foi acompanhado integralmente por todos os membros do Pleno, presentes na seção virtual: o presidente do TRE/SC, o desembargador Jaime Ramos; o desembargador Fernando Carioni, vice-presidente e corregedor; o jurista Wilson Pereira Junior; o juiz de Direito Jaime Pedro Bunn; o juiz federal Celso Kipper e o juiz de Direito Luís Francisco Delpizzo Miranda.
O juiz Luiz Francisco Miranda, que atuou como revisor da relatoria, também comentou o caso. Ele mencionou a "briga" entre Ivon e Caco e a operação do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), que em 2013 apontou esquema de corrupção na autarquia Águas de Palhoça (clique a saiba mais). https://www.palhocense.com.br/noticias/tj-sc-mantem-condenacoes-no-caso-da-aguas-de-ph
Miranda lembrou que a lista original com a nominata eleita em dezembro de 2011 jamais foi apresentada. "Bastaria que o assistente de acusação, senhor Ivon, tivesse guardado uma contrafé, um recibo desta lista, o que não fez, o que acabou revelando a falta de materialidade deste crime", argumentou.
O juiz mencionou também a oitiva das testemunhas, comentando que ficou impressionado com a forma como foram apresentadas “as mais diversas versões", referindo-se à prova testemunhal como “uma verdadeira Torre de Babel”, com “versões para todos os gostos”. Miranda avaliou que, entre as 16 testemunhas ouvidas (na relação de 17 nomes que teriam sido eleitos em dezembro de 2011), uma única pessoa confirmou a versão apresentada pela denúncia do MP. "Claro que é muito pouco", sentenciou.
O juiz revelou que assistiu à audiência em que Ivon foi ouvido em juízo, e citou que foi “muito desgastante”, com bate-boca, animosidade e pouca "urbanidade". Observou, ainda, que, na audiência, o próprio Ivon disse que não sabia se uma ata havia sido feita no dia da convenção. “Ninguém sabia de nada”, questiona, lamentando a "verdadeira bagunça” que era o diretório do PSDB de Palhoça na época e definindo a situação como “absolutamente nebulosa”.
Já o juiz Jaime Pedro Bunn comentou que os "fatos todos se apresentam como verdadeiramente inusitados” e lhe causaram “espécie”. "Não creio que sejam eles compatíveis com o histórico político partidário eleitoral do município de Palhoça", declarou.
Desabafo
Convidado pelo Palavra Palhocense a comentar a decisão, Ivon desabafou: "Se a nossa Justiça fosse perfeita, e se fossem todos homens íntegros, desde o início do mundo, ou desde o início da era de Jesus, ele não seria condenado, e Barrabás, inocentado. Então, se juízes fossem deuses, tudo bem, eu até iria analisar cada decisão. Como eles são pessoas iguais a nós e cometem inúmeros erros, e aqui não estou generalizando, como existe isso dentro da Polícia, dentro de qualquer instituição, as coisas muitas vezes são tendenciosas. Infelizmente, este é o país em que nós vivemos, por isso que esta crise social, econômica, de saúde, existe no Brasil, porque o Supremo acha que é o dono de tudo, que não tem que dar satisfação para ninguém, e no final toma essas decisões. Mas, infelizmente, é este o país que nós vivenciamos, que nós vamos viver e que acredito que não vai mudar, é esta a situação. Infelizmente, muitas vezes os bandidos são absolvidos ou são ditos como não teve prova, que o Caco falsificou, porque essa é a informação, que não teve prova sobre a ata, como inocentaram também Barrabás, que era criminoso e que Jesus nada cometeu".
Allan comemora decisão
Allan Pyetro também enviou seu comentário a respeito da decisão judicial. "Recebo a decisão do TRE/SC com tranquilidade e respeito. A Justiça demonstrou, mais vez, que quem realmente cometeu alguma fraude foi o coronel Ivon. Fraudando uma comissão provisória, uma ata e tumultuando todo processo eleitoral daquela época. Nesse tempo todo, tentou, de todas as maneiras, se passar de vítima para a sociedade palhocense, porém, de santo ele não tem absolutamente nada", comemora Allan Pyetro.
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