A Assembleia Legislativa de Santa Catarina instaurou, na semana passada, o processo por crime de responsabilidade que pode resultar no impeachment do governador do estado, Carlos Moisés da Silva (PSL); da vice-governadora, Daniela Reinehr (sem partido); e do secretário de Estado da Administração, Jorge Eduardo Tasca.
O recebimento da denúncia por parte da presidência da Alesc se baseou em parecer da Procuradoria Jurídica do Parlamento catarinense, que encontrou na representação indícios de possíveis ilegalidades cometidas por Moisés, Daniela e Tasca na concessão de reajuste aos procuradores do estado, em outubro do ano passado, visando à equiparação salarial com os procuradores jurídicos do Legislativo estadual.
Os representados são suspeitos de terem praticado crime de responsabilidade. Conforme o glossário do Senado Federal, tais práticas são condutas ou comportamentos de inteiro conteúdo político, apenas nomeadas como crimes, sem que tenham essa natureza. Por isso, as punições a essas condutas são essencialmente políticas, com penas como a perda do cargo público, a inabilitação para o exercício de cargos públicos ou mesmo a suspensão do direito de participar de eleições.
A Constituição Estadual determina, no artigo 40, que é competência exclusiva da Assembleia Legislativa processar governador, vice, secretários de estado, procurador-geral do estado e procurador-geral de Justiça por crime de responsabilidade. Ou seja, qualquer denúncia sobre a prática dessas condutas por parte desses agentes públicos só pode ser apreciada pelo Parlamento estadual.
A Lei Federal 1.079/1950, conhecida como Lei do Impeachment, define os crimes de responsabilidade e regula o processo de julgamento por esses crimes do presidente da República, ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e secretários de estado. É nela que o defensor público Ralf Zimmer Junior, autor da representação, baseia-se para apontar os crimes supostamente cometidos na concessão do reajuste aos procuradores, bem como no pagamento de retroativos à categoria, referentes à equiparação salarial.
Primeiro pedido de impeachment
Em 13 de janeiro de 2020, o defensor público protocolou na Assembleia o primeiro pedido de impeachment. Nele, argumenta que o governador e o secretário da Administração autorizaram reajuste aos procuradores em outubro de 2019, de forma ilegal, em procedimento realizado de forma sigilosa, sem autorização legal. Para o autor, a vice-governadora, por ter tido conhecimento do reajuste enquanto estava no comando do estado, em janeiro deste ano, e não ter suspendido o pagamento, também teria responsabilidade.
O reajuste aos procuradores, conforme consta na denúncia, foi concedido por meio de processo administrativo da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), acolhido pelo governador. Além do aumento salarial, que representou um impacto de R$ 700 mil mensais nos cofres públicos, foi autorizado o pagamento de R$ 8,5 milhões em retroativos referentes à equiparação.
Para o defensor público, nem todos os procuradores teriam direito à equiparação salarial. Isso porque, segundo o autor da denúncia, o benefício deveria ser concedido somente àqueles que ingressaram com o pedido de equiparação por meio de mandado de segurança apresentado pela Associação dos Procuradores do Estado de Santa Catarina (Aproesc). Zimmer Junior cita que o STF determina que decisão judicial proveniente de entidade representativa terá alcance apenas aos filiados da entidade na data da propositura da ação.
Outro argumento apontado pelo autor está na inconstitucionalidade da isonomia, presente na Emenda Constitucional 19/1998, que vedou, na Constituição Federal, a vinculação ou equiparação de remuneração, além da Emenda Constitucional 38/2004, que retirou do artigo 26 da Constituição catarinense o item que tratava da garantia da isonomia de vencimentos. Apesar disso, na Constituição de Santa Catarina, o artigo 196 prevê a isonomia entre os procuradores dos poderes do estado.
O autor também chama a atenção para o fato do governador ter vetado, em junho do ano passado, emenda parlamentar à Reforma Administrativa do Poder Executivo que pretendia instituir a equiparação salarial aos procuradores. Na argumentação do veto, Moisés expôs que a medida era inconstitucional, pois implicaria em aumento de despesa não estimada pelo Poder Executivo.
Segundo pedido de impeachment
Em 11 de maio, o defensor público reapresentou a denúncia, na forma de recurso ou de um novo pedido de impeachment, com mais informações e documentos que comprovariam as ilegalidades na concessão do reajuste. O pedido de janeiro havia sido arquivado, principalmente por falta de documentos comprobatórios.
Zimmer Junior entendeu que Moisés, Daniela e Tasca assumiram ter cometido o crime ao admitirem, na defesa apresentada por eles à Assembleia, quando da representação de 13 de janeiro, a concessão do reajuste por meio de uma decisão judicial que, segundo o autor da denúncia, não poderia ser utilizada como justificativa para a equiparação salarial.
O defensor público ainda acrescenta duas decisões, uma do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC) e outra do Tribunal de Contas do Estado (TCE), para corroborar a tese do crime de responsabilidade. A decisão do Poder Judiciário, de 10 de fevereiro de 2020, suspendeu o pagamento dos R$ 8,5 milhões atrasados. Já o Tribunal de Contas, em 11 de maio, decidiu pela suspensão do pagamento mensal feito aos procuradores a título de equiparação.
Zimmer Junior aponta também que, em 2019, procuradores do estado buscaram na Justiça a equiparação remuneratória, porém, a PGE e o Ministério Público de Santa Catarina (MP/SC) defenderam a prescrição desse benefício. Mesmo assim, posteriormente, a PGE apresentou o processo administrativo que resultou no reajuste aprovado pelo governo em outubro de 2019.
Análise da Procuradoria da Alesc
No despacho lido na última quinta-feira (30) pelo presidente da Assembleia, no qual ele recebe, com base em manifestação da Procuradoria Jurídica do Legislativo, a representação contra Moisés, Daniela e Tasca, são elencados os pontos que devem ser analisados como possíveis crimes de responsabilidade cometidos pelos denunciados.
Conforme a manifestação, pode ter ocorrido ilegalidade do governador e do secretário da Administração ao concordarem com o reajuste que visou à equiparação concedido por meio de “um processo administrativo que tramitou supostamente de forma sigilosa, e em tempo recorde, culminou com o pagamento de uma verba de alto custo mensal, mediante o pagamento de parcelas de trato sucessivo, originária de uma equiparação remuneratória, sobre a qual pendia posicionamento contrário/desfavorável ao seu pagamento por parte do Ministério Público e da própria Procuradoria-Geral do Estado”.
A procuradoria da Alesc também chama a atenção para o fato de o governador não ter suspendido, de forma preventiva, o pagamento mensal da equiparação salarial assim que o TJ/SC determinou, em 10 de fevereiro, a suspensão do pagamento dos valores atrasados. Os pagamentos mensais só foram interrompidos com decisão do TCE, em 11 de maio.
No despacho, consta, ainda, o alerta para o fato dos três denunciados, em defesa apresentada à Alesc quando do pedido de impeachment de janeiro, terem legitimado o pagamento da equiparação salarial a todos os procuradores e “não somente àqueles que, em um primeiro momento, parecem ser reais beneficiários” de decisão judicial alegada pelo governo para o pagamento. Da mesma forma, a procuradoria do Legislativo alerta para a possibilidade dessa decisão judicial ter perdido eficácia em virtude da emenda constitucional de 2004 ter revogado do artigo 26 da Constituição de Santa Catarina a redação que garantia isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais.
Com relação à vice-governadora, a procuradoria da Alesc observou que Daniela estava no comando do estado ao tomar conhecimento do pedido de impeachment de janeiro, e enviou ofício ao secretário da Administração no qual solicitava esclarecimentos sobre os fundamentos jurídicos que embasaram a equiparação dos procuradores. Mesmo com dúvidas sobre a legalidade, conforme a procuradoria, a então governadora em exercício não suspendeu, mesmo que de forma preventiva, os pagamentos aos procuradores do estado.
Prazo para resposta
O primeiro-secretário da Assembleia Legislativa, deputado Laércio Schuster (PSB), notificou pessoalmente, na tarde de quinta-feira (30), os representados por crime de responsabilidade que poderá resultar no impeachment do governador, da vice-governadora e do secretário. Com a notificação, passa a contar o prazo de 10 sessões ordinárias para que os citados apresentem suas respostas ao Parlamento catarinense.
Governador se defende
O governador Carlos Moisés ressaltou a "ausência de justa causa para um processo de impeachment" ao receber, na tarde de quinta-feira (30), a notificação do início da tramitação do procedimento na Assembleia Legislativa. Ele recebeu do primeiro-secretário da Casa Legislativa, deputado estadual Laércio Schuster, o documento que o informa do início formal do processo. “Eu respeito a Alesc e todos os deputados. Lamento a decisão do presidente Júlio Garcia de recepcionar esse processo em um momento tão inadequado, em meio à pandemia, e sem um fundamento jurídico. Não há participação do governador e da vice-governadora nesse processo. Isso já é atestado pelos órgãos de controle, o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Vou continuar trabalhando por Santa Catarina, especialmente no enfrentamento à pandemia, que é o nosso foco hoje. Vamos cuidar da economia, dos catarinenses e de todos que vivem aqui”, disse o governador após receber a documentação.
Recentemente, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) emitiu um parecer em que isenta o governador de responsabilidade no caso. Emitido pela Diretoria de Atos de Pessoal (DAP), o documento aponta não haver “nexo de casualidade entre o governador do Estado e a prática de ato ilegal ou omissivo ou comissivo”.
Em fevereiro, o Ministério Público também avaliou não haver elementos para abertura da ação civil pública contra o governador por improbidade administrativa. Segundo o MP, coube a Carlos Moisés apenas autorizar a análise do pedido e não seu mérito, decidido em atos da Procuradoria Geral do Estado e da Secretaria da Administração. “Ausente qualquer conduta do governador do estado sobre o mérito da pretensão, não há que se falar em atuação ou anuência tendente a privilegiar determinada carreira por meio da alegada concessão indevida de paridade salarial – o que caracterizaria ato de improbidade administrativa, sob ótica do representante”, atesta o parecer do órgão .
Ministério Público e TCE
O despacho da Presidência rebate argumentações apresentadas por Moisés em petição apresentada na semana passada. No documento, o governador ressalta que a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), a 12ª Promotoria de Justiça da Capital e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) lhe isentariam de responsabilidade na concessão da equiparação salarial.
A procuradoria da Alesc argumenta que a decisão da PGJ se refere ao pedido de impeachment de janeiro e não ao apresentado em maio, que traz novas informações e documentos no embasamento da denúncia.
Com relação à manifestação da promotoria da Capital, ela analisa, segundo a procuradoria, fatos referentes à vice-governadora e ao secretário da Administração, não sendo aplicada a Moisés.
Já com referência à certidão emitida pela Diretoria de Atos de Pessoal do TCE, a procuradoria entende que ela “não detém caráter decisório ou deliberativo” e se limita expor fatos apurados pelo tribunal até aquele momento.
Lei do Impeachment
Crimes de responsabilidade supostamente cometidos, conforme denúncia do defensor público Ralf Zimmer Junior (previstos na Lei 1.079/1 950):
* Atentar contra a probidade na administração (artigo 4º, inciso V)
* Atentar contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos (artigo 4º, inciso VII)
* Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (artigo 9º, 7)
* Ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às normas (artigo 11, 1)
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