Na semana passada, o Palhocense trouxe uma reportagem especial em alusão aos 13 anos da Lei nº 11.340, assinada em 7 de agosto de 2006 e que passou a ser conhecida como Lei Maria da Penha. Uma lei que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Uma lei que não existia quando a assistente social e escrivã de polícia Júlia de Macedo Knabben Zacchi, moradora de Palhoça, lutava em defesa do direito das mulheres na região da Grande Florianópolis, atuando na chamada Delegacia da Mulher, na capital.
Júlia chegou em 1989 e passou 10 anos nessa delegacia. Dava palestras em universidades e também subia em favelas para dar palestra para as mulheres e orientá-las sobre seus direitos. “Nós agíamos na cara e na coragem, nua e cruamente. Era precário, mas a gente fazia tudo o que podia fazer. Eu amava o que eu fazia”, recorda.
A assistente social conta que a muito custo as delegadas conseguiam explicar aos juízes situações de emergência e conseguir alguma medida cautelar protetiva a curto prazo. Era uma época em que as mulheres dormiam na delegacia, onde se sentiam mais seguras, longe das ameaças dos agressores. “Lembro de umas três que morreram: elas ficaram uma semana ali na delegacia, o juiz demorou para dar a medida cautelar e elas cansavam de ficar ali ou tinham que ir para casa buscar uma roupa ou algo assim, e na saída eles estavam de tocaia. Um deles fechou a casa e colocou fogo, morreram os dois juntos. A gente via muita barbaridade, porque não tinha essa proteção”, compara.
Depois da Delegacia da Mulher, veio atuar na delegacia da Comarca de Palhoça, que não tinha ainda um setor específico para a proteção da mulher, das crianças e dos adolescentes na época - foi em 1999, e a Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCami) de Palhoça só foi instalada em 2012. “Aqui em Palhoça, a questão da violência era muito grande e não tinha ninguém que atuasse com isso. Havia muito problema de alcoolismo, de drogadição, famílias com desajuste”, relembra.
Júlia conta que foi montada uma equipe, com assistente social, dois advogados e duas psicólogas estagiárias que faziam curso na Unisul. “Eu atendia os casos mais graves, para fazer mediação com a família; os advogados atendiam quando não dava para fazer ajustes em família; e as consequências do problema eram tratadas pelas psicólogas”, detalha Júlia, que batalhou incansavelmente para a construção de uma delegacia especializada em Palhoça.
A palhocense fala com conhecimento de causa, um conhecimento adquirido pela prática e também pela pesquisa profunda do assunto. Júlia descreveu a situação da violência doméstica em dois documentos acadêmicos importantes: “Mulher Vítima da Violência Atendida pela 6ª Delegacia de Polícia da Capital” e “A Representação Social do Alcoolismo em Casais com Relacionamento Conjugal Violento, Atendidos pelo Serviço Social da 6ª Delegacia de Polícia da Capital”. Em seus escritos, ensina que a mulher precisa trabalhar aspectos importantes, como autoestima, autoafirmação, respeito ao próprio corpo e autonomia financeira.
Ela também prega a importância do serviço social dentro das delegacias. Como assistente social, muitas vezes tinha que encontrar um lugar para uma mulher vítima de violência ficar ou conseguir alguma cesta básica para que ela pudesse sobreviver. Tinha contato frequente com Organizações Não-Governamentais (ONGs) e chegou a conseguir três casas para abrigar essas mulheres. “Para a mulher, o serviço social na delegacia é primordial, porque ela não vai só com o problema da violência, tem as causas que levaram àquilo, tem algum problema que leva aquela mulher a se sujeitar àquela condição de vítima, às vezes medo, e a dependência econômica é muito grande, principalmente na pobreza, com mulheres que não têm estudo. Então, o serviço social faz essa mediação e consegue estruturar a mulher”, receita. Outra estratégia era apelar para a fé, qualquer que fosse a religião. “A gente vai escavando o problema de cada um para dar um diagnóstico e uma solução, porque cada caso é um caso”, acrescenta.
Atualmente, as notícias de feminicídio se proliferam nos meios de comunicação e nas redes sociais, mas Júlia avalia que é uma questão de “visibilidade maior” e não necessariamente de “aumento da violência”. “Hoje o pessoal fala: ‘Meu Deus, como estão matando mulheres’. Não é isso, é que a visibilidade hoje está maior, com essa questão da Lei Maria da Penha. Eu digo por experiência, porque eu convivi 10 anos com isso, não é que agora a violência está maior, ela sempre existiu, só que ficava camuflada, escondida, porque as mulheres tinham medo. Hoje, a mulher tem mais coragem, porque ela tem o respaldo da Lei Maria da Penha, porque as coisas são mais rápidas, tem a internet, todo esse meio que está evoluindo. Hoje, a mulher tem mais coragem, antes ela não podia divulgar nada, porque não tinha como, não tinha ninguém que fizesse nada”, argumenta.
Sua atuação em defesa dos direitos das mulheres rendeu à palhocense inúmeras homenagens, como o certificado de honra concedido a “Mulheres com Distinção” pela Soroptimist International of the Americas, organização internacional que encoraja o empoderamento das mulheres através da educação, em reconhecimento pelas suas conquistas como profissional e voluntária na área da proteção à mulher. Aqui, nesta página do Palhocense, nesta edição do jornal, fica, também, o nosso reconhecimento!