Conta a história que no dia 31 de julho de 1793, às margens do rio Maruim, na divisa com São José, Caetano Silveira de Matos inaugurou as bases do povoado que mais tarde se transformaria na progressista cidade de Palhoça. Quantas histórias nos trouxeram até aqui, e quantas imagens registraram essas histórias! As fotografias desafiam o poder transformador do tempo para manter o passado vivo. E o Palavra Palhocense vem se destacando como guardião da Memória Palhocense impressa em poses com cheiro de recordações. Na última semana, coincidentemente às vésperas de uma data histórica, o acervo fotográfico do jornal foi ampliado com novas – e espetaculares – aquisições.
O arquivo do Palavra Palhocense vem se construindo ao longo do tempo, mas o Projeto Memória Palhocense, propriamente dito, começou oficialmente quando o fundador do jornal, João José da Silva, recebeu o arquivo em negativos da famosa Foto Palhoça, mantida com excelência por tantos anos pelo fotógrafo Gedalvo Passos e sua família. Esse acervo já foi devidamente digitalizado. Depois disso, o projeto passou a receber a adesão de outros importantes arquivos da memória fotográfica palhocense.
Em 2017, o Clube 7 de Setembro aderiu ao projeto, gentilmente enviando o seu acervo de fotos para ser digitalizado. Ainda em 2017, passaram a fazer parte do arquivo fotográfico as fotos do saudoso fotógrafo Salésio Gedalvo Passos (Pintado). No início de 2018, chegou ao Projeto Memória o arquivo em CD da Foto Palhoça que estava sob os cuidados do fotógrafo Xinho Passos. “Recentemente, também, o fotógrafo Roberto Passos nos presenteou com seu arquivo em negativos, que retratam principalmente o bairro da Ponte do Imaruim”, conta João.
Nesta semana, o Projeto Memória, mais uma vez, recebeu importante acervo fotográfico, com mais de 5 mil fotos, do antigo Colégio Carrossel, idealizado pelas saudosas professoras Vânia e Sueli Haeming. Um colégio que marcou época na educação de Palhoça, do início da década de 1980 até meados dos anos 2000. “Agradecemos à família Haeming, na pessoa da doutora Fernanda, por ter nos confiado tão importante acervo da memória Palhocense”, agradece João.
Sem falar que o projeto recebe quase que diariamente registros fotográficos de diversas pessoas do município. Quem quiser participar, basta enviar suas fotos pelo e-mail joaodojornal@gmail.com ou por mensagem para a página no Facebook João Palhocense.
O nascimento da cidade
São poucas as imagens que conseguem recuar tão longe no tempo a ponto de contar como Caetano Silveira de Matos estabeleceu seu patrimônio em solo palhocense. Ainda bem que historiadores como José Lupércio Lopes resgatam documentos e fazem o levantamento histórico do nosso passado, para refrescar nossa memória.
A rigor, os sítios arqueológicos nos contam que Palhoça já teve muitos moradores, antes mesmo do pioneiro do século XVIII. Como a população indígena, cuja presença é comprovada por sítios arqueológicos existentes no vasto território palhocense. Ou os primeiros imigrantes europeus, que começaram a chegar ao Brasil a partir do século 16 - e há estudos que indicam o desembarque de navegadores no Maciambu antes mesmo da virada do século.
Ou de Domingos Peixoto Brito, que se estabeleceu em uma linda enseada ao Sul em 1651. Ou os 476 açorianos que aportaram na mesma baía e fundaram a “Freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Enseada de Brito”, em 1750, anos antes da fundação oficial de Palhoça.
O fato é que se estabeleceu como data oficial para o estabelecimento das bases da formação do município o ano de 1793. Contam os livros que Palhoça nasceu da necessidade de se estabelecer um refúgio no continente para o caso de ataques inimigos, como o ocorrido em 1777 à Ilha do Desterro, invadida pelos espanhóis. Outra causa teria sido a intenção de criar povoados no caminho em direção à Serra Catarinense. Acredita-se que o nome do município tenha sido originado em referência a um armazém de palha (uma “palhoça”) construído às margens do rio Imaruim pelo português Caetano, para abastecer embarcações. O entreposto servia como depósito de farinha, de açúcar e da produção agrícola que vinha da região serrana em direção a Florianópolis.
Daquele momento em diante, a cidade passaria por inúmeras transformações e seria povoada por diferentes etnias, até chegar ao caldeirão multicultural dos dias atuais.
Os alemães e a guerra
Entre tantas contribuições importantes, um dos povos que ajudou a fundamentar as bases do município foi o povo alemão. Quem não lembra do armazém de secos e molhados do seu Teófilo Scheidt, que ficava na rua central da cidade, próximo ao salão de festas da Igreja Evangélica? O lugar virou atração em 1938, quando seu Teófilo comprou um dos primeiros rádios do município, importado da Alemanha.
Aí, resolveu desembarcar na história da humanidade um cidadão chamado Adolf Hitler, e a paz dos alemães em Palhoça sucumbiu aos efeitos da megalomania nazista. Não por vontade própria! Acontece que, com o mundo em guerra contra a Alemanha, sobrou para os alemães que viviam no Brasil! Em Palhoça, no auge da Segunda Guerra Mundial, em 1943, um grupo autodenominado “Patriotas”, formado em sua maioria por moradores da barra do Aririú, passou a perseguir implacavelmente as famílias alemães, como João José da Silva descreve em seu livro “Aos Pés do Cambirela”. Sofreram os alemães, sofreram os Scheidt, sofreram os Haeming, que hoje nos cedem o acervo fotográfico do Colégio Carrossel.
Documentos históricos
Uma pesquisa documental está revelando uma parcela ainda inédita da história dos alemães no Sul do Brasil - especialmente em território catarinense - durante a Segunda Guerra Mundial. São cerca de 5 mil documentos não catalogados encontrados na Espanha e que agora chegam ao estado, primeiro na exposição “História Repatriada”, a partir do dia 8 de agosto, na Biblioteca Pública de Santa Catarina, e depois, como fonte de consulta no Instituto Carl Hoepcke, ambos em Florianópolis.
O projeto “História Repatriada” é uma parceria entre o instituto e o Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (Labimha) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com apoio da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo (RS), e do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), de Madri, na Espanha. “A importância desse material está no ineditismo e porque irá lançar luzes sobre a triangulação Espanha-Brasil-Alemanha entre 1942-1945”, afirma João Klug, professor do Departamento de História da UFSC e um dos coordenadores do projeto.
Com pós-doutorado pela Freie Universität, de Berlim, há 26 anos Klug se dedica à temática relativa à imigração alemã no Brasil e diz que nunca havia encontrado documentos de tal relevância. “Os papéis trazem indícios que apontam para um novo cenário que pode, a partir de pesquisas futuras mais detalhadas, mudar a historiografia local e mesmo internacional da época”, complementa Manoel Teixeira dos Santos, professor de História do Colégio de Aplicação da UFSC, doutor e pesquisador na área de imigração, responsável pela análise e seleção do conteúdo do projeto.
Os cerca de 5 mil documentos reúnem diários, cartas, solicitações, documentos financeiros e correspondências oficiais da Embaixada, Consulado (Porto Alegre) e Vice-consulados (em Florianópolis e São Francisco do Sul) da Espanha entre 1942 e 1945. Uma das mais importantes revelações até agora é a atenção e o cuidado que os espanhóis dispensavam aos alemães no Brasil: vistos como inimigos em solo brasileiro em razão da guerra, uma parcela desses alemães foi encaminhada a centros de internação e recebeu a visita pessoal do vice-cônsul espanhol, para saber como estava sendo tratada e do que necessitava.
Klug e Teixeira pontuam que informações como essa, reveladas a partir de uma análise preliminar dos registros, colocam um ponto de interrogação na até então conhecida neutralidade dos espanhóis durante a Segunda Guerra. “O que tínhamos como certo - uma aproximação discreta entre Espanha e Alemanha no período em questão - pode ganhar um sentido diferente a partir da inclusão do Brasil neste contexto, por meio da documentação encontrada”, argumenta Teixeira. “Outro forte indício disso é a decisão do General Franco (1892-1975), chefe do Estado Maior da Espanha, de manter esse material guardado, mas não catalogado, escondendo, assim, o teor”, completa Klug. E ambos são categóricos em afirmar que todo esse cenário abre um campo enorme de investigação científica e acadêmica a partir de agora.