Texto: Isonyane Iris
Uma reunião marcada pelo prefeito Camilo Martins para esta quinta-feira (24) poderia definir o futuro de mais de 140 famílias no bairro Frei Damião, mas o encontro teria sido cancelado. Ocupantes de uma área privada, as famílias continuam construindo seus lares nos terrenos ocupados; segundo eles, na esperança de que o final dessa história ainda possa ser feliz.
A Secretaria de Segurança Pública, que tinha feito um acordo na última semana para os moradores saírem voluntariamente da área até o último domingo (20), agora aguarda uma nova reunião entre moradores, Prefeitura, Polícia Militar (PM) e Ministério Público (MP) para fazer os encaminhamentos necessários.
Na última reunião com o prefeito, realizada na segunda-feira (21), os moradores teriam saído sem nada decidido. “O prefeito nos disse que não podia falar sobre o assunto e achar uma solução sem que os outros autores, no caso o MP e a Polícia estivessem junto. Então, ele marcou uma nova reunião nesta quinta, mas ainda não nos confirmou o horário”, conta Vladimir Borges Ribeiro, de 43 anos, uma das lideranças que representa os ocupantes.
Camilo informou aos moradores que o município não teria um planejamento para a remoção das famílias, nem recursos para pagar aluguel social a todos. “Questionamos o prefeito sobre a possibilidade da Prefeitura comprar o terreno, mas ele nos garantiu que a Prefeitura estaria sem dinheiro para essa ação”, relata Vladimir, sobre a última reunião.
Ainda na reunião, os líderes dos ocupantes teriam contestado as afirmações de que a ocupação serviria de abrigo para criminosos. Um levantamento realizado por eles teria sido apresentado, relatando que ao todo a Ocupação Nova Esperança, como tem sido chamada pelos ocupantes, está abrigando 143 famílias, sendo 95 crianças (três com necessidades especiais), 11 idosos, um autista e duas pessoas com problemas mentais. “Aqui, a maioria é família, que morava de aluguel e não tem mais condições, muitos por terem ficado desempregados. Agora, afirmar que somos integrantes de facções criminosas é mentira”, lamenta Vladimir.
Sobre essa situação, a advogada popular Luzia Cabreira, que também esteve presente na reunião, explicou em uma publicação na sua rede social que o argumento de que o local abriga criminosos não se sustenta e que o município acabaria violando os direitos humanos. “Esta não é a impressão recebida por qualquer membro de apoio da ocupação ao visitá-la. O que se constata é que a ocupação é constituída por trabalhadores e trabalhadoras, muitos em situação de informalidade. Enfim, uma população frágil, carente e necessitando de políticas públicas que lhe deem o mínimo de condições de uma vida digna”, emenda Luzia.
Novas construções
Na ocupação, o clima é de obras. Por todos os lados, é possível encontrar ocupantes trabalhando, reformando e construindo seus lares. “Vamos continuar melhorado e construindo as nossas casas, aqui ninguém vai mais parar”, afirmou uma ocupante, sobre as construções de madeira que estão sendo feitas.
Pai de duas meninas, Robson de Oliveira trabalha com reciclagem e cria as filhas sozinho. Com o aluguel atrasado, Robson foi despejado de onde morava Sem ter para onde ir com as duas filhas, ele procurou a Ocupação Nova Esperança. “Eu cheguei aqui com a minha mudança na minha carrocinha de reciclagem, minhas filhas sem ter para onde ir. A gente ia dormir na rua se o pessoal não tivesse nos arranjado um lugar. Não me cobraram nada e ainda estão nos ajudando com material para reforçar nosso barraco, cesta básica e doações”, conta. Ele afirma não ter para onde ir com as filhas caso a Prefeitura tome o lugar.
Segundo os ocupantes, o terreno estaria dividido em três blocos: o primeiro, ocupado por inúmeras famílias; o segundo, começando a ser aterrado; e o terceiro, localizado o final da rua, atualmente com cerca de 37 lares sendo construídos (quando o Palhocense visitou o local na semana passada, não havia nenhuma construção no local), alguns inclusive já com moradores. “Tudo faz parte do mesmo terreno, da mesma área, não dá para separar”, acredita Vladimir.
Ministério Público
Em contato com o promotor Márcio Conti Júnior, titular da 7ª Promotoria de Justiça da área criminal, a equipe de reportagem obteve a informação de que a proprietária da área em questão, localizada no final da rua Pascoal Mazzilli, teria registrado três Boletins de Ocorrência. O pedido de ajuda teria chegado ao 16º Batalhão da PM, para que a proprietária conseguisse cercar o terreno, o que não era possível, por conta dos ocupantes.
Desde dezembro de 2017, a área tem sido monitorada pela Polícia Militar, em razão de crimes graves de homicídio que ocorreram na região. Desde então, as situações de crimes contra a vida diminuíram significativamente. Há dois meses, voltou a ser registrada a ocorrência de crimes. “O foco ali sempre foi segurança pública, uma investigação em cima de facções, como por exemplo, o PGC”, explica o magistrado.
Há 40 dias, o promotor teria recebido um relatório técnico da PM informando que nesta área estariam sendo construídos “barracos” de forma muito rápida e desordenada. “A atenção era para a quantidade de barracos que a cada dia aumentava. Na época desse relatório, a maioria estava desocupado. No documento entregue, ainda tinha imagens, inclusive aéreas, do lugar, o que reforçava ainda mais a rapidez com que os barracos estavam sendo construídos”, relembra.
Com base nesse relatório, o promotor teria feito contato com os órgãos da Prefeitura, entre eles, a Secretaria de Segurança Pública, a Secretaria de Obras, a Secretaria de Infraestrutura e ainda o vice-prefeito Amaro Junior, já que o prefeito Camilo Martins estava em viagem. “A fiscalização de obras irregulares seria com a Prefeitura, então mandei um expediente para eles, informando a falta de fiscalização e destacando que a Prefeitura teria todo poder de demolir um barraco que não tenha estrutura nenhuma, principalmente nessa área”, explica o promotor, desmentindo a informação de que os ocupantes estariam ali desde outubro do ano passado; tudo teria começado há cerca de 40 dias.
Depois disso, todas as secretarias presentes se mostraram solícitas em realizar uma ação em conjunto para demolir esses barracos, que, por estarem vazios, não seriam caracterizados como casas. Uma das maiores preocupações naquele momento era dar garantia às crianças e às mulheres, por isso, a Secretaria de Assistência Social também estaria em conjunto nessa ação.
Mas a operação vazou, e de uma hora para outra a situação tomou outra proporção. “As casas rapidamente começaram a ser ocupadas, imediatamente os ocupantes já tinham um líder, logo a ocupação já tinha um nome, representantes de vários deputados começaram a aparecer e com isso uma pressão foi feita em cima do prefeito Camilo, que teria informado que não daria a ordem administrativa de demolição”, informa o promotor.
Atualmente, a área representa cerca de 30% da comunidade do Frei Damião, que já é fruto de uma ocupação consolidada. As mais de 140 casas já estariam todas ocupadas, começando recentemente uma nova ocupação o bloco três, onde atualmente já é possível encontrar 37 edificações. “Eu posso afirmar que por falta de um posicionamento do município a curto prazo nós vamos ter ali pelo menos mais mil pessoas. Sem esgoto, sem água, com luz furtada do poste, sem creche, sem escola, sem atendimento no posto de saúde, sem nada. Essas pessoas vão ser catadoras de lixo, o emprego que mais tem na região, logo a juventude vai ser apresentada ao tráfico de drogas, vai começar a usar, vão se viciar e logo começam as práticas de pequenos crimes. É isso que acontece, vai virar mão de obra para facção criminosa. Não estou dizendo que hoje eles sejam de facção, mas a proximidade é tão grande que é futuro visível”, lamenta o promotor, destacando ainda que o Frei Damião atualmente é um dos maiores redutos da facção criminosa do PGC na região da Grande Florianópolis. “Essa é a nossa preocupação”, finaliza.
Sobre a reunião marcada pelo prefeito nesta quinta-feira, o promotor confirmou que não estaria presente.
PM esteve no local
Na manhã de terça-feira (22), duas viaturas da PM estiveram no que seria o bloco três. Os policiais tiraram fotos, registraram os moradores trabalhando e ainda questionaram os ocupantes sobre uma possível informação de quem seriam os autores responsáveis pelo incidente de uma máquina da Prefeitura queimada na Guarda do Cubatão, recentemente.
“Eles vieram nos perguntando se tinha sido a gente. Na hora respondemos que não temos ligação nenhuma, até porque estamos longe do local onde isso aconteceu. Mas mesmo assim, eles insistiram, nos questionando sobre quem teria sido, suspeitando de que a gente saberia. Eles acham que aqui somos todos bandidos”, conta um dos líderes dos ocupantes.
Antes de ir embora, os policiais ainda teriam dito aos moradores que as negociações com o prefeito tratavam apenas do bloco um do terreno, que seria a primeira parte onde estaria a maioria das casas, e que os demais não faziam parte. Sendo assim, os policiais teriam garantido aos ocupantes que retornariam com as máquinas para derrubar as estruturas do bloco três.
Visita na madrugada
Na madrugada de quarta-feira (23), por volta das 2h, os moradores contam que a PM esteve no local, arrancou as faixas que os moradores tinham colocado nomeando a área como Ocupação Nova Esperança e atearam fogo. “Eles chegaram, subiram nos postes e arrancaram nossas faixas; em seguida, colocaram fogo. Além disso, ainda nos deram palavras de ordem, nos proibindo de filmar e fotografar”, relata um morador.
Os ocupantes informaram que procurariam seus direitos juntos ao MP, registrando uma denúncia contra a ação dos polícias; segundo eles, teria sido de abuso de poder.
A PM informou que relatos como esse devem, caso algum ocupante queira, ser reportados à corregedoria. “Se for o caso, investigaremos se há verossimilhança com a verdade”, informou a corporação, em nota.
Sobre a situação, a Polícia Militar se mantém firme na intenção de não divulgar qualquer tipo de informação que atrapalhe o rumo do serviço policial.
Prefeitura
A Prefeitura esclarece que presta apenas apoio operacional e logístico para a ação, dependendo de ordem e iniciativa judicial ou policial para agir. Paralelamente, a Secretaria de Fazenda afirma que não pode mencionar a situação dos tributos do imóvel, por se tratar de informação particular e restrita ao proprietário. Além disso, a pasta esclarece que esses dados não interferem na legitimidade da propriedade e na irregularidade da ocupação não autorizada pelo dono.
A respeito da utilização do local para depósito de lixo, a Fundação Cambirela de Meio Ambiente (FCam) esclarece que os proprietários realizavam a limpeza do terreno regularmente, porém, a fundação flagrou e autuou diversos veículos particulares e de empresas que ali despejavam restos de materiais de construção, por exemplo. Além disso, os proprietários teriam construído uma cerca no terreno, que foi derrubada.
Sobre a reunião agendada para esta quinta-feira (24), a Prefeitura informou que o encontro precisou ser cancelado, porque o Judiciário não confirmou participação.
A última informação repassada pelos ocupantes é a de que às 20h de quinta-feira (24) uma assembleia seria feita na comunidade com os ocupantes e também os advogados, que devem levar informações atualizadas sobre a situação.