As tradicionais ondas da Reserva Mundial do Surfe do Brasil serviram de berço e balanço para o Guarda PRO World Bodysurf, a primeira competição profissional do esporte no estado. Leo Moura, de Maricá, levou para o Rio de Janeiro os troféus Kpaloa Tritão de campeão da categoria PRO e da Open de Handsurf. O salva-vidas da Guarda Jeferson da Silva foi a grande revelação, conquistando a Open, à frente de nomes como o paraibano Alan Saulo, e chegando às semifinais da profissional.
Com o apoio de alguns patrocinadores e da Fundação Municipal de Esporte e Cultura, o evento foi a atração comemorativa da terça-feira (24), dia do feriado municipal, dentre as festividades programadas para abril. A competição começou no sábado (21) e tinha janela prevista até o domingo (29), mas o organizador do evento, Juliano Dias explica que o calendário foi fechado considerando as condições do mar: "No sábado deu meio metro, condições não tão boas, mas favoráveis. Estávamos esperando subir na terça e quarta. Aí na terça o mar subiu e conseguimos finalizar tudo no dia 24, das 8h da manhã às 17h. Bateu o vento norte e nordeste terral, que deu condição perfeita. A ondulação sudeste era de ondas de meio a um metro".
Apesar de primeira, a competição teve porte e suporte de peso. Na arbitragem, nas areias, a atração era o waterman Kalani Lattanzzi, de Niterói/RJ, campeão de títulos dentro e fora do país. Em 2015, Lattanzi pegou aquela que é considerada a maior sessão de ondas de peito do mundo, na Praia do Norte, em Nazaré, Portugal, e também a maior onda de bodyboard (com prancha), na pipeline mexicana de Puerto Escondido. Já esteve no Top 3 do mundial de bodyboard e o feito em Portugal rendeu-lhe, em 2016, o prêmio resiliência no Red Chargers, desafio português de ondas gigantes. Foi lá que o paulista Rodrigo Koxa bateu o recorde mundial de surfe com uma onda de 24,38m, e levou nesta semana o WSL Big Wave Awards, o 'oscar' das ondas gigantes. Lattanzi explica que em bodyboard e bodysurf ele é o único que se aventura e por isso não existem registros oficiais desses feitos, mas que as ondas vão de 10 a 30 metros.
No mar, nomes de grande envergadura caíram na água. Entre os 42 inscritos estavam atletas da Argentina, Canadá, Alagoas, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e de várias cidades catarinenses. Nas cabeças de chave da profissional estavam: Rogério Caju (Guarujá/SP), Yuri Martins (São Conrado/RJ); Juliano Dias (Guarda); Leo Moura (Maricá/RJ) e João Bazellatto Foca (Barra do Jucu/ES). A categoria foi disputada, sem favoritismos. A diferença entre Leo Moura e o segundo colocado, João Foca, foi de décimos.
Para Lattanzi, "o destaque da competição foi o moleque que ganhou as duas categorias, o Leo, mas a final foi muito maneira porque, em minha opinião, os quatro melhores da atualidade de bodysurf do Brasil estavam lá. Em segundo ficou um salva-vidas do Espírito Santo que é muito bom, o Foca, em terceiro um salva-vidas de São Conrado que é muito bom, lá do Rio, em quarto ficou um cara que é uma lenda no esporte, o Rogério Caju, que já competiu Pipeline. Então, foi uma final com uns caras casca grossa". Quanto ao interesse de entrar na disputa ou retornar em um próximo evento como árbitro novamente, ele diz: "Eu não podia 'correr' porque tô com o joelho ruim. Mas, sim, eu prefiro competir do que julgar. Se houver oportunidade aí, nas próximas, de competir ou de arbitragem, vamos ver".
Juliano ressalta a sessão da categoria dos salva-vidas como um dos melhores momentos da competição: "A sessão expression teve 11 guarda-vidas com três atletas empatados. Foi emocionante! Quando eles saíram, o público bateu palmas." Juliano fala que concentra seus esforços em trabalhar para difundir o bodysurf dessa maneira, como "um esporte limpo, em que um deixa a onda para o outro, brinca, um esporte família".
Na categoria Open, Jeferson conta que a atividade faz parte do treinamento dos salva-vidas, mas diz que é a primeira vez que compete e explica a diferença dos objetivos: "A gente sempre buscou como condicionamento, treinamento, mas nunca almejando um prêmio. É totalmente diferente de um nível de competição. Tem a questão do mar, se vai estar bem posicionado, a preocupação de tempo, a onda.". Ele diz que o resultado foi uma surpresa: "A gente foi com certo receio, por ter pessoas importantes. Principalmente no sábado. A gente chegou cedo e foi todo mundo pra água treinar. Daí a gente viu os caras pegar onda... a gente sabia que eles eram bons, mas ver pessoalmente é sempre diferente. O mar não estava tão bom, mas eles estavam tirando leite de pedra".
Sobre competir na praia em que trabalhou o último verão e onde pega onda desde os 8 anos, Jeferson considera que foi sim uma vantagem e revela que usou isso como estratégia: “A gente conhece bem o local. Quase todas as baterias, geralmente eu ficava sozinho na da direita. Aí era controlar a ansiedade, porque eu via todo o pessoal na esquerda, onde tinha mais constância, pegar altas ondas, mas eram ondas que tinha que bater mais perna. Eu estava há uns 20, 30 metros deles, mas quis esperar a da direita, que demorava mais, mas que vem mais cavada e dá para fazer mais coisas e aí pontuar mais". Ele fala que na PRO tentou usar a mesma estratégia, mas a famosa onda da virada não veio, então parou nas semifinais, o que já considera um ótimo resultado.
Campeões
Categoria - Campeão
Profissional - Leo Moura (Maricá/RJ)
Open - Jeferson da Silva (Guarda)
Handsurf - Leo Moura (Maricá/RJ)
Handsurf FEM - Maria Vitória (Floripa)
Open FEM - Briguite Lin (Garopaba)
Expression session - Gerson (Palhoça), Thiago Bruno (Balneário Camboriú) e João Bazellatto, Foca (Barra do Jucu/ES)
Esporte em ascensão
Conhecido no Brasil como surfe de peito, o bodysurf pode ser entendido como a versão profissional do popular jacaré, mas aqui a brincadeira é mais séria. Ao invés de serem carregados pelas ondas, os atletas surfam nelas utilizando apenas o corpo, com o auxílio de uma nadadeira, o pé de pato. No handsurf, outra modalidade do evento Guarda PRO World Bodysurf, utiliza-se também uma pequena prancha de mão que ajuda a deslizar e fazer manobras.
Kalani Lattanzi, um dos maiores praticantes e impulsionadores mundiais do esporte, conta que o bodysurf é iniciante não só aqui: "No mundo é mais ou menos a mesma coisa. O esporte está crescendo, só que ainda é tudo bem pequeno. Em Puerto [México], quem organiza é o chefe dos salva-vidas de lá. Ele faz tudo. Na Europa os caras são mais organizados, mas ainda é pequeno. No Brasil, a galera está bem começando, precisando de uma ajuda". Sobre sua premiação pelas ondas gigantes de bodysurf que já pegou, ele relata o que ganhou: "Um aperto de mão e um abraço.
Acho que eu vou ficar um bom tempo aí nesse topo porque de surfe tem uma galera que faz, de bodyboard e bodysurf só eu que faço essas loucuras". Lattanzi conheceu a Guarda no ano passado e desde então já veio três vezes. Ele considera que o nome da praia também pode ajuda a alavancar o esporte em ascensão: "Ajuda a dar peso, é um lugar bonito de altas ondas, a Reserva do Surfe, com certeza, é bom pro esporte".
O evento da Guarda deu início a uma série de quatro competições previstas para este ano em Santa Catarina. Os outros circuitos acontecerão na praia do Silveira, em Garopaba; na Mole, em Florianópolis; e no Estaleiro, em Balneário Camboriú. A competição é o primeiro grande evento realizado com o incentivo e parceria da Associação Catarinense de Bodysurf, fundada na metade do ano passado por atletas e apreciadores do surfe de peito, com o objetivo de padronizar e regulamentar o esporte. Juliano Dias é também membro da associação. Ele explica a iniciativa e fala das expectativas: "Este evento foi organizado mais por mim, com forte apoio da Prefeitura, dos patrocinadores e de amigos que ajudaram. A ideia é que seja anual e, com os outros circuitos, criar corpo para fazer um campeonato estadual, que futuramente a associação assuma, também se unindo ao movimento dos sem praia, a galera de Brusque e Blumenau, por exemplo, que mora em áreas não litorâneas, mas curte o esporte".
Na organização, Juliano se diz satisfeito em sua avaliação do evento: "Há outros no país em Alagoas, Pernambuco e Rio de Janeiro, mas em termos de estrutura, pelo que alguns atletas me falaram, me parece que o nosso foi maior. Estou bem feliz, é um sonho realizado. Surfo na Guarda desde pequeno e ver esse cardume ali e os depoimentos do pessoal nas redes sociais me deixou muito animado", conclui. O guarda-vidas Jeferson, que já participou da seleção catarinense de natação e de competições internas de salvamento aquático no Corpo de Bombeiros, diz que tem o espírito esportivo. Ele conta que ficou entusiasmado com o a ideia das competições terem um calendário e que pretende praticar mais o esporte e participar de outras "dentro das oportunidades, com um passinho de cada vez.
Hoje a gente percebe que não tem muito conhecimento de manobra, movimento. Tem um pouco, mas até a data do campeonato era só divertimento. Mas é uma atividade legal, pela natureza, pela galera, de gente de bem. A gente espera poder engrandecer e participar, prestigiar, porque a gente gosta e para virar um esporte depende da gente”, completa.