Por: Sofia Mayer*
A quarentena e todos os seus desdobramentos representam um perigo especial para quem sofre com distúrbios psicológicos. Quem, de quebra, também sai afetado nessa história são, muitas vezes, pessoas que tratam da doença do alcoolismo: especialistas afirmam que, com o isolamento social, as chances de intensificar ou retomar compulsões antigas aumentam significamente. Sem autorização para realizar encontros presenciais, e entendendo a necessidade da suspensão das reuniões físicas, porém, grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) de Palhoça têm buscado alternativas remotas para seguir dando suporte aos participantes.
O grupo Caminho Certo, de Palhoça, acolhe alcoólicos que, entre conversas e estudos de materiais temáticos, trocam experiências e se fortalecem no caminho à sobriedade. Com as medidas de isolamento decretadas pelo governador Carlos Moisés, que proíbem reuniões, de qualquer espécie, em Santa Catarina, os membros ajustaram suas atividades para o modelo online. A partir de um aplicativo que permite conversas em áudio, desde o dia 18 de março, cerca de 40 participantes de grupos de AA da Grande Florianópolis se reúnem na plataforma, diariamente, para mantê-los em atividade. “Nós temos muitos membros novos, que ingressaram há pouco tempo na irmandade, e que precisam desse suporte - mesmo que seja virtual -, para que não recaiam”, explica a companheira Maria (nome fictício para preservar o princípio de anonimato da instituição), participante do Alcoólicos Anônimos há quase um ano e uma das organizadoras das reuniões online.
A fala é de quem sabe bem as consequências do vício na vida de uma pessoa. Maria conta que, diferente de grande parte dos companheiros do AA, desenvolveu o alcoolismo já na vida adulta, aos 30 anos. Ela relata que, no ápice da doença, no primeiro semestre de 2019, viveu no "piloto automático". “Não lembro de quase nada desses meses. Nem da faculdade, nem do trabalho, nem da minha vida familiar. E eu cuidava da minha filha, tirava boas notas, mas não lembro de nada”, admite. A mudança veio em junho, quando procurou uma sala do Alcoólicos Anônimos e, em concomitância, fez tratamento para ansiedade: “Era um dos fatores que me levava a beber sem moderação”.
Especialistas afirmam que o período de isolamento é especialmente desafiador para pessoas que lutam contra compulsões. “Esse comportamento tende a se intensificar, porque tem, em sua base, a ansiedade. Em situações em que a pessoa fica restrita de canalizá-la, potencializa os comportamentos compulsivos”, explica a psicóloga Vanessa Guerra.
A psicóloga lembra que, durante a quarentena, o ideal é que se busque formas de levar as atividades de lazer para o ambiente doméstico. Para Guerra, um dos maiores desafios, no entanto, pode estar no estreitamento da relação familiar: “Famílias ou casais que já tinham algum tipo de dificuldade de convívio, (podem ter) ainda mais agora, que o encontro é inevitável. Como na grande parte das vezes não há como se afastar fisicamente, o uso e abuso de substâncias químicas podem ser uma forma de lidar com essa realidade, que está sendo tão nova e tão incerta para todos nós”.
Com o cenário de dúvidas, alimentado pela expansão da Covid-19, paralisar as atividades do grupo Caminho Certo não é uma opção. “Naturalmente, essa acolhida presencial faz falta, e a gente tenta, ao máximo, suprir isso através do carinho nas palavras”, explica Maria. A participante do AA lembra que a irmandade tem, como uma das propostas, sugerir uma reformulação de vida e de adaptação das prioridades, questões importantes em tempos de pandemia: “Tanto que as reuniões começam e terminam com a oração da serenidade”, enfatiza.
Ao mesmo tempo em que os encontros online abraçam outros territórios (pessoas de estados distintos já participaram das reuniões), eles surgem com algumas limitações. Além da falta do contato físico, há membros que ainda enfrentam dificuldades em lidar com o universo remoto. “Há um companheiro de Palhoça que não consegue instalar o aplicativo, e ele é idoso”, lembra Maria. Sem poder ajudar de forma presencial, por conta das restrições de convívio social, o grupo busca, nesses casos, reforçar as palavras de preocupação e carinho, “mandado uma mensagem e perguntando como a pessoa está”.
Ações realizadas em clínicas de tratamento também tiveram que ser suspensas durante a quarentena. Os grupos de Alcoólicos Anônimos da região, por exemplo, em condições normais, atuariam em espaços de recuperação, como o Instituto São José, Recanto Silvestre e Colônia Santana. “Estão suspensos mais a título de preservação dos internos. Nós estamos aqui no meio externo e, muitas vezes, podemos estar assintomáticos e ser um vetor de contágio para eles”, explica Maria. Segundo ela, o trabalho dos AA também é comum em empresas. “Hoje em dia, a legislação protege o trabalhador, que não pode ser demitido por justa causa de problemas com álcool”, lembra.
As reuniões online do Alcoólicos Anônimos abrangem os grupos presenciais da Grande Florianópolis, mas são abertas a quem tenha interesse. Passa participar, basta baixar o aplicativo Zello e acessar este link! Os encontros acontecem todos os dias, às 20h.
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* Sob a supervisão de Luciano Smanioto
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