Como vivemos tempos bem distantes da magia literária, a historiadora e escritora Urda Alice Klueger precisou lançar uma campanha de cow funding na internet para financiar a impressão do seu novo livro, o romance “No Tempo da Magia” (acesse o link catarse.me/notempodamagia e veja como colaborar). Quando a tinta imprimir suas ideias em mais um bloco mágico de papel, a autora estará contabilizando 25 obras publicadas, e mais de 700 crônicas – algumas delas, o leitor pôde acompanhar nas páginas do Palhocense, na seção Encontos&Desencrônicas.
Hoje, Urda também é uma “palhocense”. Nasceu e cresceu em Blumenau, mas como mora em Palhoça há quase dois anos, já se considera palhocense. No livro, é identificada como uma “cidadã da América Latina que nasceu e vive em Santa Catarina”. “Para não dar briga”, diverte-se.
O novo lar, em Palhoça, não foi escolhido ao acaso. Sempre que passava pela BR-101, a historiadora não resistia à tentação de descer até a Enseada de Brito, um paraíso de belas paisagens que realmente seduz os olhares incautos de quem trafega pela rodovia. Uma piscadela e pronto, amor à primeira vista! Resolveu morar ali, em um recanto escolhido em um cantinho reservado no Canto da Enseada, em novembro de 2016. “Vivo com a sensação de estar acampada”, deleita-se.
E foi lá, imersa em um quintal, cercada de frutas, tubérculos, flores, e confortada pela companhia de três cachorros e dois gatos, que ela concluiu “No Tempo da Magia”. “Este livro como que ‘pulou’ no meu pescoço, e eu escrevi. Como se estivesse há muito tempo querendo vir, e não havia como não escrever”, revela a autora. “É uma coisa muito simples: é a história de um homem, uma mulher, um menino e um passarinho. Com um homem, uma mulher, um menino e um passarinho, você pode fazer acontecer qualquer coisa”, explica.
A capa foi feita “sob encomenda”. Meninas cultivam orquídeas e colhem bebês. Um cenário rico em simbolismos. Urda conta que cada observador costuma interpretar o que vê – e o que lê – de uma forma bem particular. “Cada pessoa que lê, vê uma coisa diferente. Cada um adapta para uma realidade diferente. A minha visão é a de que tudo é possível, acho que a ideia é essa”, relata.
No site em que está “passando o chapéu”, já arrecadou R$ 3.935, fruto da solidariedade de 36 pessoas. O custo total da obra foi orçado em R$ 7 mil. “Estou aqui como uma pedinte, de joelhos, mãos postas, pedindo ao universo que você venha a gostar dele do jeito que eu gostei de escrevê-lo. Tomara que dê certo. É tempo de magia”, retrata, na descrição da campanha na internet. As doações será recebidas até o dia 7 de abril. Há várias formas de doar, inclusive com a possibilidade de receber exemplares de livros da autora.
Sobre a autora
Urda nasceu em Blumenau (SC), em 1952. É imortal da Academia Catarinense de Letras e autora de 24 obras publicadas. Entre elas, “Verde Vale” (1979), que já está na 14ª edição.
Trecho do livro
Uma vez ou outra não se descansava assim à tarde porque não houvera pesca pela manhã, notadamente em ocasiões de certos ventos que impediam a navegação. Foi numa dessas ocasiões que Enchanter, com tempo sobrando, saiu andando por aqui e por ali, e lá longe, em distante banhado, dentro de um círculo de nenúfares, numa área com milhares de pés de lírio do brejo que deixavam o ar espesso de tanto aroma, encontrou Laila, que se banhava na água do solo e no perfume dos lírios. Ficou a olhá-la, fascinado, e quando ela o viu e ficou acanhada, ele sorriu o seu mais bonito sorriso para transmitir confiança a ela. Ficou na terra firme, sentado dentre os lírios do brejo, esperando que ela saísse da água, e ela envolveu-se num bordado pano indiano quase diáfano, o que fez com que ele pensasse que ela era uma hippie retardatária, e se escapou por entre o arvoredo contíguo. Ele entendeu o acanhamento dela e permaneceu aonde estava, mas a imagem dela, assim dentre os nenúfares, naquele lugar de denso perfume, passou a ocupar o pensamento dele, dali por diante, e ele já não dormia com a mesma tranquilidade, à sombra dos barcos, nas tardes de repouso. Acordava logo, caminhava até àquela região de brejos, espiava aqui e ali para ver se a encontrava e muitas vezes o fez. Então, sempre sorria o mais lindo sorriso e esperava, e ela se ia embora trêmula de enleio, porque também andava ali naquele lugar à procura dele.
Um dia ele a seguiu até à porta de treliça de madeira cor de rosa, toda trançada de baraços floridos de flores de cera da mesma cor, que fechava a entrada de uma caverna – então era dali que ela vinha! Talvez fosse aparentada com as fadas ou com as anjas, pensou ele, e com o coração aos pulos bateu palmas e esperou.
Uma fresta da porta foi aberta e ela espiou dentre os baraços floridos, e então ele chegou mais perto e, sem dizer nada, segurou a mão dela, abriu de todo a porta e entrou.