Por: Sofia Mayer*
Os trabalhos de recuperação emergencial na Guarda do Embaú, realizados pela Prefeitura de Palhoça, devem durar até 23 de outubro. Munícipes, no entanto, seguem divergindo quanto à realização das obras, que iniciaram no final de julho, após autorização da Superintendência do Patrimônio da União (SPU). O valor para a execução de todo o processo de desassoreamento é de 350 mil reais, e será custeado pelo município.
Desde o início do ano, moradores das margens do Rio da Madre têm visto as sucessivas ressacas encurtarem a faixa de areia, colocando à prova a estrutura das casas locais. De acordo com a Portaria 13.401, de 2 de junho de 2020, a reparação dos danos causados por eventos climáticos é necessária para prevenir perdas humanas e materiais, além de promover a recuperação de margem do corpo hídrico para fixação de postes de distribuição de energia e acesso às casas, além da recomposição de duna afetada.
Uma cartilha, compartilhada por moradores da comunidade nas redes sociais, expõe justificativas para a execução da medida emergencial para a recuperação do trecho erodido. Uma delas seria justamente a ocorrência frequente de ciclones subtropicais e ressacas que o território catarinense vem enfrentando nos últimos meses. De acordo com o texto, esses processos fazem com que as restingas sejam reduzidas, causando insegurança aos residentes que vivem às margens do rio.
Segundo informações da Prefeitura, a recomposição não trará prejuízos ambientais, colocando o rio em seu lugar de origem com materiais extraídos da própria praia. A obra faz parte de um projeto de mitigação e prevenção da Defesa Civil e demais órgãos.
Repercussão
Nas redes sociais, munícipes divergem quanto à realização dos trabalhos. “Com certeza, a recuperação deste paraíso só trará benefício à natureza, pois está se recompondo para a comunidade”, comenta um popular. Outra internauta lembra que há fatores históricos, sociais, econômicos e dinâmicos para serem analisados: “Sem dúvida, um laboratório para adaptabilidades. Tomara conseguirmos ajustar um bom caminho, integrado, para muito além de urgências, resiliência”.
Há também quem demonstre descontentamento com as medidas. “Vi, com muita tristeza, uma postagem falando que colocaram o rio no lugar dele. O lugar dele é onde ele está ou estava. As construções é que estão no lugar errado”, comentou uma internauta. De acordo com outro popular, “qualquer intervenção humana será sempre apenas temporária”. “Utilizar dinheiro público para estas obras não definitivas seria usar da ignorância e burrice humana. O certo seria realocar o comércio e os moradores para outros locais”, manifestou.
Para membros da Associação de Moradores, a dragagem é necessária
As obras de desassoreamento começaram no dia 28 de julho e, segundo a presidente da Associação Comunitária da Guarda do Embaú, Telma Vieira Correia, os moradores que vivem na orla do Rio da Madre andam satisfeitos com o trabalho que vem sendo realizado. “A comunidade está bem feliz, estava bem ansiosa para que começassem as obras, e está tudo se encaminhando. Graças a Deus, acho que vai dar tudo certo”, comenta.
Desde abril, populares estavam relatando graves problemas estruturais, como rachaduras nas paredes e muros residenciais cedendo. Rompimento de canos de abastecimento de água também foi verificado.
O paulista Plínio Bordin, que mora na Guarda do Embaú há quase 40 anos, afirma que a acusação de que as construções estariam localizadas em espaços ilegais não procede. Considerando essa lógica, segundo ele, boa parte dos moradores do litoral brasileiro estaria vivendo em áreas impróprias, por exemplo. “O que não está na beira, está em cima de duna, de APP”, pondera. Ele conta que as casas estão dentro da legalidade, com escritura pública e pagamento dos impostos em dia.
A casa onde mora, nas margens do Rio da Madre, foi comprada da sogra nos anos 2000, mas existe desde a década de 1950. Ele lembra que, em 1983, os moradores passaram por um problema parecido, causado por ressacas sucessivas, resolvido também com uma draga adquirida pelo governo da época. “Entre esse período, muitas vezes aconteceu de o rio virar lagoa, porque tem essa ocorrência de marés e de pouca chuva, e a barra é simplesmente fechada”, descreve. Ele comenta, porém, que “uma vez que isso prejudica um lugar, uma população que é consolidada no local, impedindo a circulação dos peixes, a pesca do camarão, causando enchentes”, é necessário abrir o caminho para a água desaguar no mar.
Participante do Comitê Gestor Local da Reserva Mundial do Surf (RMS) Guarda do Embaú, Bordin conta que o grupo promove frequentemente testes de balneabilidade no local, e que a água do rio está limpa. “Na vila, onde tem restaurante, eventualmente acontece alguma coisa. Com muita chuva, ocorre vazamento. Os caras correm e chamam caminhão e já resolvem. Não poderia acontecer, mas resolvem”, atesta.
Segurança afetada
Bordin conta que, desde o Carnaval deste ano, o rio vem avançando e causando prejuízos a toda a comunidade. Com o rompimento da canalização após as ressacas sucessivas, por exemplo, ele revela que nem só os moradores da orla ficaram sem água. “Casas nas ruas de trás, que eram abastecidas pela mesma rede, também”, lembra. De acordo com o morador, “a obra simplesmente é pegar areia do próprio lugar e reconstituir a orla, que serve para os turistas, moradores da região, casas que estão em direção ao sul”.
A segurança é questão prioritária. Segundo Bordin, após os fenômenos de maré alta deste ano, um poste, ao lado de sua casa, ficou cerca de 2m50 exposto para fora. “Celesc colocou uns sacos de areia para segurar”, relata. Além disso, rachaduras e muros caindo foram vistos.
Apoio da RMS
Em nota divulgada nesta segunda-feira (10), o comitê da Reserva Mundial de Surf (RMS) Guarda do Embaú também se posicionou a favor da obra emergencial de desassoreamento. Apesar de considerar a questão ambiental envolvida, o comitê afirma que a medida é necessária para contribuir para o turismo, profundamente afetado desde o Carnaval, quando uma ressaca gerou grande movimentação de areia na foz do rio, mudando o curso da água.
Na ocasião, segundo o comitê, houve deposição de areia numa das margens, provocando erosão na margem junto à vila. “É um dos principais produtos da comunidade e foi muito abalado pela pandemia da Covid-19 e por este fenômeno climático”, explica a nota.
O comitê sugere que a próxima meta do Poder Público seja a realização de pesquisas aprofundadas com especialistas e com a comunidade sobre as condições históricas e hidrodinâmicas do local: “A situação atual na foz do rio é reincidente, e, por mais de uma vez, já nos deparamos com ela e muito provavelmente estaremos lidando ainda em vários momentos da história deste ambiente e da comunidade que o ocupa”.
Já o presidente da Associação de Surf e Preservação da Guarda do Embaú, Nodin Silveira, explica que o processo de desassoreamento é importante para a qualidade das ondas, que tendem a ficar mais longas e tubulares: “Sempre foi um diferencial para nossa praia”.
Nem todos concordam
Sandra Jovelina Laurindo, moradora que vive na Guarda do Embaú há 30 anos e uma das administradoras da página no Instagram “Guarda Soul”, relata que, para ela, um dos problemas é a falta de transparência do Poder Público. De acordo com Sandra, o rio não sofreu assoreamento. “A última vez que o rio fechou foi em 2018, e foi cíclico, devido à falta de chuva e maré baixa”, relembra. Ela conta que, com a chegada da chuva, o rio tende a se abrir naturalmente: “O aterro é para salvar casas que avançaram área públicas e encheram a margem de entulho”.
O grupo SOS Rio da Madre, por meio de suas redes sociais, também se manifestou a respeito dos trabalhos de recuperação da orla. Eles defendem que obras de desassoreamento e de engordamento das praias deveriam ser fundamentadas por estudos técnicos rigorosos, a fim de que não haja aumento nos eventos causados pelas ações climáticas. “Nesse ponto, deparamos com o caráter emergencial em que essas obras são concebidas e desvinculadas da prevenção”, afirma o grupo, em publicação.
O posicionamento é baseado em dados do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, que assinala que a adoção estratégica seria a conservação e recuperação de ecossistemas naturais como medida de adaptação e mitigação desses impactos: “Nas margens dos rios e praias, construímos estruturas rígidas, que intensificam os processos erosivos a montante e a jusante do fluxo de água”.
Esclarecimento da Prefeitura
A Prefeitura explica que a obra de desassoreamento tem caráter emergencial, a pedido da Defesa Civil, por conta dos riscos estruturais das moradias locais. A reconstituição da faixa de areia vai acontecer em frente à vila, em 20 metros à frente das residências, ao longo de 350 metros da orla esquerda do Rio da Madre.
A Prefeitura assegura que a areia utilizada será retirada do próprio local. “O único acesso dessas pessoas, para suas residências, é por ali”, informa.
As obras de desassoreamento buscam também retomar o curso natural do rio, alterado pela grande quantidade de fenômenos climáticos ocorridos neste ano.
De acordo com a Prefeitura de Palhoça, não haverá danos ou prejuízos ambientais durante o trabalho recuperação da orla. O município garante também que as atividades pesqueiras, turísticas, de travessia de barcos e de segurança voltarão à normalidade, sem perigo de queda de postes e desabastecimento de água.
A possível criação de uma rua na orla também é preocupação de alguns munícipes. Segundo as equipes responsáveis, no entanto, não haverá construção de vias, e os entulhos serão retirados do local. “Haverá apenas mais escoamento da água que atingiu as residências, e aterramento com material local”, informa a Prefeitura.
Deputado visita obras
O deputado federal Hélio Costa (Republicanos) visitou as obras, na sexta-feira (7). Na Guarda, o parlamentar conversou com moradores e técnicos sobre o andamento das atividades.
Em junho, o deputado intermediou, junto à SPU, a autorização para a realização da obra. A Portaria 13.401 foi remetida à Prefeitura, que está executando a ação de desassoreamento da foz do rio. “Está caminhando bem. Graças aos nossos esforços em Brasília, conseguimos a autorização junto à SPU e a situação vai melhorar. Os moradores podem ficar tranquilos que a Guarda terá vida normal em breve, vamos confiar na solução técnica”, afirmou o deputado.
* Sob a supervisão de Luciano Smanioto
Quer participar do grupo de WhatsApp do Palhocense?
Clique no link de acesso!