Por: Sofia Mayer*
Na Baixada do Maciambu, localidade situada no Sul do município, as invasões e construções irregulares são um problema que há anos se arrasta e revela uma série de conflitos jurídicos: há aqueles que ganham a vida na ilegalidade, apostando no trabalho dos grileiros, enquanto outros apenas lutam pelo direito de ter uma moradia. Com áreas pertencendo ao estado, porém, as regularizações fundiárias não podem ser feitas pela Prefeitura. O município afirma que há mais de 10 mil imóveis para serem legalizados e aguarda a doação dos territórios, que sofreu um revés em julho.
Faz quatro anos que uma das esperanças era a aprovação do Projeto Lei (PL) 0214/2017, que tramitava na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) e doaria ao município uma área do estado que engloba a zona de amortecimento da Baixada do Maciambu - mais precisamente, o extenso território compreendido pelos Campos de Araçatuba. O texto, no entanto, foi retirado de tramitação pelo governo do estado no dia 8 de julho, a pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA).
De acordo com o IMA, a formulação da proposta não havia contado com a participação ou mesmo consulta ao órgão, ainda conhecido como Fatma na época de entrada do processo, em junho de 2017. “Não há embasamento técnico e social que possa justificar a doação dessa extensão de área prevista nesse PL”, explica a bióloga do IMA Ana Cimardi, que exerce a função de gerenciamento de Biodiversidade e Florestas. De acordo com a bióloga, a proposta previa a doação de uma grande área que não está densamente ocupada e que mantém as características ambientais originais. “Não há como argumentar e justificar que o estado doe uma área que deve permanecer conservada”, explica.
Ao tomar conhecimento do processo, então, o IMA se manifestou junto à Secretaria de Estado da Administração. Na ocasião, foi solicitado ao secretário que o instituto fosse devidamente ouvido antes da aprovação da PL. “Sugerimos que essa secretaria de estado encaminhe propositura à Alesc para o arquivamento do mesmo, até que o Poder Executivo possa encaminhar novo projeto de lei com garantias de atendimento de normas técnicas e jurídicas que o caso requer”, afirma o documento encaminhado à pasta.
O presidente da Associação dos Protetores da Ponta do Papagaio (APBPP), Marival Coan, no entanto, acredita que a doação das terras dos Campos de Araçatuba poderia ser benéfica para o desenvolvimento da região Sul do município. “O que existe de contrato de compra e venda de terra aqui é uma coisa astronômica. Isso é indício de que não são terras que têm todo o processo legal. E isso gera uma série de problemas, porque você não tendo a posse legal, você não tem direito a financiamento, não pode vender regularmente, deixa de se arrecadar”, comenta. Segundo ele, a documentação das áreas ajudaria a comunidade a acompanhar, exigir e cobrar ações do Poder Público.
Segundo Coan, a entrega das terras deveria vir ainda acompanhada de políticas públicas consistentes por parte do município. “A regularização deve gerar um fundo. Acho que é capacidade da Prefeitura também de propor e exigir que tenha escritura pública, mediante retorno para fundo social. Nós, aqui, carecemos, na região Sul, praticamente de tudo”, contextualiza. Os maiores problemas, segundo ele, estariam relacionados ao abastecimento de água e tratamento de esgoto. “Nós também temos centro de saúde abandonado há anos, caindo aos pedaços. Nós temos problemas com ciclovia, problema com pessoal que depende do mar pra trabalhar. Mas a Prefeitura tem que estar na gerência disso”, reflete.
Para ele, a medida contemplaria também aqueles que só precisam de um espaço para morar e, por isso, acabam optando pelas ocupações irregulares. “Que a gente possa fazer o desenvolvimento necessário, provendo aquelas pessoas mais carentes, provendo elas inclusive com projetos habitacionais”, completa.
Ação Civil Pública tramitando
Outro processo de doação de área ao Poder Público da Palhoça, no entanto, tramita na Procuradoria Geral do Estado (PGE), no âmbito de uma Ação Civil Pública (ACP). Trata-se de um texto referente a duas áreas de alta ocupação humana, de aproximadamente 60 e 28 hectares, localizadas dentro de um imóvel do estado. A área fica na região norte da Pinheira e é ocupada irregularmente, apresentando inclusive ligações clandestinas de energia elétrica. “O único processo, neste momento, em que o IMA está participando, é relacionado a essas duas áreas”, afirma Ana Cimardi.
Questionado sobre o trâmite do projeto, o IMA explica que, depois da manifestação da PGE, o processo irá para a Secretaria de Estado da Administração, onde serão, então, ouvidos. Após isso, o processo deverá tramitar na Secretaria de Estado da Casa Civil para encaminhamento de Projeto de Lei. “Será um outro projeto de lei, em área somente com ocupação identificada no âmbito da Ação Civil Pública”, explica Cimardi.
De acordo com a bióloga do IMA, a proposta busca regularizar e permitir que o município de Palhoça possa fazer uma correta urbanização, com tratamento de esgoto, fornecimento de água e energia, além de ordenamento territorial. “Sem a doação dessas duas áreas densamente ocupadas de forma totalmente irregular, que as pessoas não podem ter acesso ao básico para uma vida decente, o município não pode investir na área”, conclui.
À espera
A Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária, afirma que está na expectativa da doação para regularização fundiária, que deverá ser feita por meio de Regularização Fundiária Urbana (Reurb) ou usucapião. O programa será definido após a comprovação da propriedade e de renda dos moradores.
Debate é constante
Na Guarda do Embaú, antes das obras de dragagem do Rio da Madre começarem, em 28 de julho, embates jurídicos chegaram a adiar os trabalhos na orla, que estava tomada pela água, chegando inclusive às residências das margens. Um ofício, publicado em 12 de junho, por exemplo, afirmava que o local pertence a uma área de preservação permanente (APP) e, portanto, estaria sendo ocupado ilegalmente. A Prefeitura, contudo, considerou emergenciais e necessários os trabalhos de recuperação do espaço, visto que a situação estava afetando a segurança dos moradores.
Em março, tubulações clandestinas de esgoto também causaram problemas no rio Capivari Norte, na Ponta do Papagaio, apresentando um cenário severo de poluição, que resultou em forte odor e morte de animais aquáticos. Segundo Coan, a doação das áreas ajudaria a reorganizar essas terras próximas. “O principal problema nosso é o abastecimento de água e tratamento de esgoto. Nós não temos nada. Os nossos rios e mares já estão com problema de poluição. Vejo que essa transferência das terras do estado para a Prefeitura, a qual somos altamente favoráveis, nos facilitaria em tudo isso”, afirma.
* Sob a responsabilidade de Luciano Smanioto
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