A Justiça decretou a prisão preventiva de três homens acusados de espancar um rapaz de 20 anos até a morte, em um posto de gasolina no Aririú, na tarde desta terça-feira (17). O rapaz teria roubado o carro de um motorista de aplicativo no dia anterior e teria sido reconhecido pelo próprio motorista, que participou da agressão. Ele e os outros dois acusados vão responder pelo crime de homicídio qualificado - a Polícia Civil investiga a hipótese de que o crime tenha sido premeditado.
Durante a audiência de custódia, na tarde de quarta-feira (18), a juíza Cintia Werlang, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Palhoça, decidiu converter a prisão em flagrante em prisão preventiva dos três homens acusados da suposta ação de linchamento. Segundo a magistrada, “a prisão é necessária para acautelar a ordem pública e desestimular a prática de atos de vingança privada”.
De acordo com o depoimento dos réus na delegacia de polícia, a vítima teria participado de um roubo de veículo de um motorista de aplicativo na segunda-feira (17) à noite. Na terça-feira (18), por volta de 13h30, a vítima foi reconhecida enquanto abastecia um automóvel - o carro estaria em nome de sua mãe e teria sido utilizado para acobertar os criminosos que agiram no roubo ao motorista de aplicativo, na segunda-feira. “Desses três indivíduos que foram presos, dois chegaram ao posto antes, de moto, e um terceiro chegou de carro e passaram a agredir incessantemente a vítima. Eles ficaram agredindo ele durante uns 35 a 40 minutos, até que ele veio a óbito”, informa o delegado Arthur Lopes, da Delegacia de Polícia da Comarca de Palhoça (DPCo). A vítima foi agredida com socos e chutes e com golpes de capacete e de corrente. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) chegou a atender o rapaz agredido, mas ele não resistiu e morreu no local. A Polícia Militar foi acionada e prendeu os acusados em flagrante - segundo a Polícia Civil, os três homens acusados pela agressão, com idades de 30, 31 e 35 anos, já haviam respondido na Justiça por infrações; já a vítima não tinha antecedentes criminais.
A Polícia Civil considera a hipótese de que o crime tenha sido premeditado. “Um dos autores estava fazendo Uber e alega ter sido vítima de roubo a mão armada por parte da vítima”, observa o delegado. A Divisão de Investigações Criminais (DIC) de Palhoça está investigando a autoria do roubo ao motorista do aplicativo. O carro foi roubado na segunda-feira (17), no Aririú, e localizado na terça-feira pela Polícia Militar, próximo ao Hospital Infantil, em Florianópolis. Duas pessoas teriam participado desse assalto; uma delas seria o rapaz morto no posto de gasolina.
Enquanto isso, a DPCo vai ouvir novas testemunhas e apurar se mais pessoas participaram da agressão além dos três homens já acusados. “Alguns populares acabaram também agredindo a vítima, nós também vamos apurar essa participação”, reforça a delegada regional Michele Alves Correa Rebelo.
Outros populares tentaram acabar com as agressões, mas foram ameaçados. “Não retiro a revolta daquele que todos os dias sai de casa para trabalhar e tem o seu objeto de trabalho injustamente subtraído. Porém, a este cabe se valer dos órgãos oficiais para a solução do crime. Não pode vestir-se de juiz e pensar que está autorizado, ao largo da lei, a realizar a justiça com as próprias mãos e aplicar ao caso a pena que julga a mais adequada, esta medida pelo tamanho da sua revolta ou sede de vingança”, refletiu a juíza Cintia Werlang, em sua decisão de decretar a prisão preventiva dos acusados. A pena para o crime de homicídio qualificado varia de 12 a 30 anos de reclusão.
Para o doutor Alexandre Botelho, professor de Direitos Humanos da Unisul, o episódio exige uma reflexão de toda a sociedade. “Esse episódio do linchamento que ocorreu em Palhoça está a exigir de cada um de nós que repensemos o nível de violência que nós estamos praticando e também incentivando em sociedade. Eu falo todos nós: redes sociais, jornais, rádios, TVs, que de certa forma incentivam que o cidadão comum desacredite de todas as autoridades públicas e busque fazer justiça com as próprias mãos. O fato é que numa sociedade civilizada, não cabe, de modo algum, à população, fazer justiça com as próprias mãos, porque ao agir assim, a sociedade se confunde com o próprio criminoso que ela tenta punir, a sociedade se transforma em criminosa. É necessário que confiemos na ação da Polícia Militar, na sua tarefa de reprimir a criminalidade; que confiemos também na Polícia Civil, na sua tarefa de investigar e punir os culpados, porque a barbárie do linchamento acaba transformando todos nós em algozes, porque ignoramos a lei e fazemos da força bruta uma espécie de referencial normativo de uma sociedade doente. É preciso acreditar no Direito e nas autoridades competentes. Violência só gera mais violência. Precisamos, de fato, nos educar para a paz e para o respeito, nunca, de modo algum, para a violência”, argumenta Botelho.
Para o padre, doutor em Teologia e filósofo Jaci Rocha Gonçalves, que também é professor da Unisul, o linchamento é “mais uma dentre milhares de ações que banalizam o valor das vidas e que fortalecem a volta do clima de medo, pânico e sensação de insegurança generalizada, bem como a sensação de impotência do próprio serviço público”. “Quem está de plantão para desfrutar desse clima desumano são os plantonistas da violência, como o poder paralelo da corrupção pelo narcotráfico, milícias, sonegadores crônicos de impostos, facilitadores de venda e porte de armas - disparado, o comércio mais lucrativo do mundo, seguido pela venda de drogas. Eles se sustentam no velho mandamento da Lei do Talião (196-201), do Código de Hamurabi, de 1690 aC: ‘Olho por olho, dente por dente’. Na contramão do imediatismo e a paz armada, temos em Palhoça uma grande rede democrática que, nas associações de moradores, clubes, ONGs, pastorais e cada espaço de participação, insistem em cobrar de todos os servidores públicos desde educação até segurança, desde o prefeito até o guarda do portão da creche”, expressa o teólogo. “Esses voluntários nas comunidades sabem que para a vivência da cidadania ‘só vale o que custa’. Esta cidadania ativa está viva em muitos grupos de nossa região, como formiguinhas que sabem se unir para exigir proteção, mas jamais fazer justiça pelas próprias mãos. Quando essas forças comunitárias entrarem nas redes sociais, veremos um outro momento de cidadania que alguns analistas chamam de chegada do ‘virtuoso no virtual’. Porque no dia a dia de nossas comunidades, mesmo com o crescimento brusco de Palhoça, para essas lideranças, o que vale ainda é a não banalização das vidas, mas o cuidado insistente e teimoso pela qualidade da vida de todos, inclusive dos que se perderam no roubo, drogas e outras formas de violência. É a cidadania do ‘Amai-vos como eu vos amei’ proposto por Jesus como caminho, verdade e vida pra valer nas vivências humanas”, conclui Jaci.
Assassinato
Na última semana, outra morte violenta foi registrada em Palhoça, no Alto Aririú. Após uma discussão por causa de ciúmes, na madrugada de sábado (14), uma mulher atingiu o marido (funcionário da Jotur) com um golpe de faca na perna. A própria mulher levou o marido ao Hospital Regional, em São José, onde chegou já sem pulso. Os médicos ainda conseguiram reanimar a vítima por 20 minutos. Ele chegou a ser encaminhado para cirurgia, mas acabou morrendo. A mulher foi presa no próprio hospital por homicídio qualificado por motivo fútil e vai responder pelo crime em liberdade.