Texto: Isonyane Iris
A previsão do tempo anunciava chuva para o final de semana, mas o que ninguém esperava é que em apenas dois dias chovesse um volume de 148 milímetros em Palhoça. Vários bairros registraram alagamentos. Em alguns pontos, moradores ficaram completamente ilhados, sem conseguir sair de casa. Segundo informações repassadas pela Defesa Civil, além das situações de alagamentos, o município também registrou deslizamentos de terra na Enseada de Brito e na Praia de Fora.
Na Guarda do Cubatão, o Condomínio Grandville ficou complemente alagado. Segundo relatos de moradores, a situação é recorrente há mais de quatro anos. Thaís Falsarella recebeu as chaves do seu apartamento em março de 2015; três meses depois, ela enfrentou o primeiro alagamento. “Acordei às quatro da manhã com a água em cima das canelas. Não sabíamos o que fazer, então quebraram o muro para que a água pudesse escoar. Com isso, conseguimos secar os apartamentos por volta das 15h.
Depois disso, todas as vezes que chovia, não conseguia mais dormir, então me vi obrigada a me mudar. Aluguei o apartamento, mas minha inquilina saiu por causa dos constantes alagamentos. Domingo (17), quando cheguei aqui, tive que entrar com o carro por cima da calçada e deixar meus pais no hall, pois a água no estacionamento já estava muito alta”, lamenta.
Na segunda-feira (18), a Defesa Civil esteve no condomínio, averiguou a situação e ficou de providenciar um relatório para os moradores. Os moradores vão apresentar o documento ao síndico e à construtora, na tentativa de buscar uma solução para o escoamento da água no condomínio. “Estamos preocupados com isso, afinal, para não alagar o nosso, a água está indo para o loteamento ao lado”, destaca a moradora, aflita.
A Defesa Civil conhece a situação do condomínio e afirma que moradores devem buscar providências junto à construtora. “Algumas vistorias já foram feitas pela Defesa Civil e foi constatado que o condomínio está em um nível muito baixo. Tinha uma tubulação no local, parece que arrumaram. Mas, recentemente, eles fizeram uma vala para um terreno vizinho, na tentativa de escoar a água, mas o vizinho também já nos acionou, pois não tem condições de escoar água para um terreno alheio. Os moradores, através do condomínio, devem acionar de forma amigável ou jurídica a construtora, pedindo que seja feito um trabalho de drenagem no local”, explica o coordenador municipal da Defesa Civil, Júlio Marcelino.
Caminho Novo
No Caminho Novo, vários motoristas filmaram os pontos de alagamento e divulgaram nas redes sociais. “Deu medo de passar por ali, mas como eu tinha que ir para casa, eu engatei a primeira marcha e passei rezando. A água estava muito alta, boa parte do muro ficou embaixo d’água, fora os carros que tentaram atravessar e a água não deixou. Foi triste, teve gente que perdeu motor do carro”, relata o morador Felipe Oliveira.
Alto Aririú
Moradores da rua Osni Kuhnen, no Alto Aririú, pedem providências definitivas para o local, que em dias de chuva fica completamente intransitável. A Prefeitura afirma que já existe projeto aprovado e recurso garantido para a colocação de calçamento na rua, mas, segundo a comunidade, essa é uma promessa antiga, que até hoje não se cumpriu.
Nas redes sociais, a moradora Cristiani Santos fez um desabafo sobre a realidade das famílias que moram da rua Osni Kuhnen e são obrigadas a conviver com o “descaso da Prefeitura”: “É chover com vontade, que nós precisamos de botas e botes pra sair de casa. As obras realizadas há três anos, onde a Prefeitura colocou tubos e bocas de lobo, não serve pra nada. Dinheiro público, nosso dinheiro, jogado de ralo abaixo”.
Indignada com a situação, Cristiani menciona que moram no local idosos, crianças e até deficientes, que enfrentam os alagamentos frequentemente. “As crianças caminham dois quilômetros para chegar na escola e ainda têm que enfrentar alagamento e lama. A gente, para sair de casa para trabalhar, tem que colocar sacolas de plástico nos pés, pois senão chegamos sujos no final da rua (avenida São Cristóvão)”, conta a moradora, destacando ainda que quando o local está seco, os buracos, “uma infinidade deles”, insistem em surgir logo depois da patrolagem.
No final da rua, existe um morro onde muitas famílias também moram e enfrentam diariamente uma situação precária para sair de casa. “Tem valos de morro abaixo. Isso que a rua tem saída no loteamento Jardins. Temos idosos que moram lá, crianças, gestantes! Seres humanos. Até táxis e motoristas de aplicativos se negam a subir. Alguém, por favor, olhe por nós. Queremos solução da Prefeitura de Palhoça”, pede Cristiani.
A Secretaria Municipal de Infraestrutura explica que a rua possui pavimentação em uma parte e que já existe projeto aprovado e recursos garantidos para a pavimentação com paver do trecho não pavimentado. Os últimos trâmites burocráticos já estão sendo feitos e a ordem de serviços deverá ser assinada nas próximas semanas. Paralelamente, a Secretaria Municipal de Serviços Públicos garante que faz a manutenção da rua frequentemente e que, recentemente, fez trabalhos de conservação.
Mais alagamentos
Nos bairros Aririú, Bela Vista e Jardim Aquárius e no loteamento Schutz, várias ruas ficaram completamente alagadas, deixando muitos moradores sem conseguir sair de casa. “Me sinto envergonhada de morar aqui. O loteamento Schutz, quando começou, era vendido como um local privilegiado; hoje, para vender uma casa aqui é um sacrifício, pois ninguém quer. Sem manutenção, cuidado ou melhorias, as ruas são todas esburacadas, em dias de chuva alaga tanto que para sair de casa é impossível”, reclama Luíza Cristina da Silva.
Deslizamentos
Na Enseada de Brito e na Praia de Fora, a Defesa Civil registrou deslizamentos de terra depois das últimas chuvas. Sem gravidade, as situações foram acompanhadas e continuam sendo monitoradas; assim como outras áreas mapeadas nos bairros Bela Vista e São Sebastião.
No São Sebastião, existem lugares que precisam de atenção constante da Defesa Civil. “Aqui, na conhecida parte velha do bairro, é uma das áreas que estamos sempre monitorando. São várias casas construídas em terrenos com risco de deslizamentos. Tivemos, no início do mês, inclusive, uma situação em que o muro de uma residência caiu por cima da casa, levando fiação elétrica e um pedaço da estrada. Nesse caso, a situação ocorreu por causa da falta de um muro de contenção, um problema muito comum aqui no município. As pessoas constroem, em alguns casos, uma barreira com pneus velhos, enchem de areia e usam como contenção, por ser mais barato, só que infelizmente essa é uma medida paliativa, que com o tempo pode vir a desmoronar, como já tivemos vários casos. Por isso, a importância de ser construído um muro de contenção”, explica o coordenador municipal da Defesa Civil, Júlio Marcelino.
No Bela Vista, o loteamento Jardins é outra área constantemente monitorada. Por ter muitas obras novas, em sua maioria sem os cuidados necessários, como o corte correto de taludes e também a falta de muros de contenção, muitas residências acabam sofrendo também com deslizamentos de terra. “Aqui já tivemos vários casos que precisamos notificar. Tivemos o caso de uma família que construiu uma casa em cima de mourões, sem perceber a gravidade da situação. Quando o vizinho começou a construção da sua casa, o terreno dessa família, junto com a casa, começou a desmoronar. Nesse caso, fomos até a família, verificamos que existia uma criança morando com os pais nessa residência que corria o risco de desmoronar e pedimos que a família deixasse a casa por uma questão de segurança. Nosso papel é prezar pela segurança, por isso notificamos e avisamos sobre o perigo daquela área”, explica Júlio.
Após receber a informação sobre uma possível área de risco, a Defesa Civil vai até o local e faz um estudo do terreno. “Buscamos saber se a área está dentro da normalidade, se tem alvará e se tem todas as certidões necessárias. Além disso, é feito um documento para informar também à procuradoria e à Secretaria de Obras sobre a situação”, explica o coordenador.
Caso haja confirmação de que existe perigo de deslizamento naquela localidade, as famílias são notificadas pela Defesa Civil. Uma das grandes dificuldades encontradas são os casos em que as famílias precisam deixar o local, por uma questão de segurança, mas não deixam. “Moramos aqui há mais de 10 anos. Não temos família aqui e muito menos dinheiro para ir para outra casa. Sabemos que a Defesa Civil quer nos proteger, mas o que podemos fazer se não temos para onde ir?”, questiona uma moradora do Morro das Gaivotas, no Alto Aririú, área também mapeada como sendo de risco. “Temos os desalojados, que são as pessoas que saem de suas casas que estão em uma área de risco e procuram casa de parentes, amigos e até um imóvel alugado; temos os desabrigados, que são os casos das famílias que perdem tudo em deslizamentos. Quando temos casos de desabrigados, encaminhamos com a ajuda das demais secretarias do município as famílias para abrigos, montados, na maioria dos casos, em ginásios”, define Júlio.
Em alguns casos extremos, o município chega a realizar projetos para que famílias que estejam em área de risco possam ser alojadas em lugares seguros. “Tivemos um condomínio de apartamentos que foi feito na Guarda do Cubatão, justamente para que algumas famílias que estavam em situação de risco pudessem se mudar. Nessa situação, a maioria não vai porque não quer trocar casa por apartamento, e também por não quer pagar mensalmente um condomínio. Não podemos tirar as pessoas à força, então nos resta notificar e continuar monitorando”, descreve o coordenador da Defesa Civil.
Monitoramento
O Serviço Geológico do Brasil, conhecido como CPRM (a sigla deriva do nome fantasia, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), é uma empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia que monitora todos os municípios do Brasil. A CPRM é responsável por fazer um mapeamento, mostrando onde são as maiores áreas com risco de deslizamentos e alagamentos. “Quando temos um alerta, logo eles nos ligam para comunicar os riscos para o nosso município. Por esse mapa, nós monitoramos as áreas de risco de Palhoça. Inclusive, alguns bancos, antes de financiar um terreno, estão pedindo aos seus clientes que retirem junto à Defesa Civil uma certidão de alagabilidade da área ou de risco de queda. Em Itajaí, por exemplo, toda construção precisa passar pela Defesa Civil, para saber sobre as reais condições do terreno.
Isso não quer dizer que o proprietário vai deixar de construir, mas que ele vai precisar tomar algumas medidas de segurança, como no caso de deslizamento, um muro de contenção. Quem vai dizer se ele pode ou não construir na área não somos nós, mas os demais órgãos responsáveis, como a Secretaria de Obras e a Fundação Cambirela de Meio Ambiente (FCam)”, explica Júlio.
Outro perigo que a Defesa Civil destaca é sobre obras feitas de forma irregular. Sem o estudo devido do terreno ou mesmo sem a ajuda de um profissional na área, como um engenheiro, os moradores simplesmente começam a construir, sem imaginar o perigo que essa ação pode oferecer para ele e seus vizinhos. “Tivemos um caso de uma pessoa que construiu por cima de uma cachoeira e que queria desviar o curso da água, achando que isso não teria nenhum problema. Conferimos a situação e notificamos a obra como irregular. Ao retornar, conferimos que o cidadão continuou e desviou a água da cachoeira por uma tubulação. Ele praticamente construiu por cima da cachoeira, fez uma obra completamente irregular, sem respeitar a notificação e ainda sem pensar nos riscos que isso pode trazer. Infelizmente, não podemos contar com a compreensão de todos, muitos simplesmente pensam no que é melhor para si e esquecem do que sua ação pode causar futuramente”, lamenta o coordenador. Júlio Marcelino diz que na região onde fica esta casa, no Morro das Gaivotas, foi feito um mutirão com participação da Defesa Civil, da FCam e das secretarias de Serviços Públicos, Infraestrutura e Habitação, quando foi realizado o cadastramento das pessoas e passadas orientações aos moradores, sobre os riscos de deslizamento; placas também foram afixadas para reforçar o alerta, mas nem todos respeitaram o aviso.
Um erro muito comum, mas que é costume na região, é o de plantar bananeira nas margens de terrenos íngremes achando que a árvore vai ajudar a firmar a terra. “Primeiro que bananeira não tem raiz profunda, além disso ela acumula uma reserva de água em suas raízes que acaba contribuindo para encharcar o solo. É algo cultural aqui na região, porque onde vamos que os terrenos são altos e apresentam risco, normalmente tem bananeiras plantadas. Então é importante destacar que isso é um erro, se for para plantar algo que ajude a conter o terreno, nós aconselhamos procure por uma vegetação específica para essas áreas”, aconselha Júlio Marcelino.
A Defesa Civil alerta ainda para que os moradores tenham cuidado antes de adquirir uma residência ou um terreno. É importante pedir as documentações do terreno e inclusive buscar informações junto à Prefeitura e à Defesa Civil, para saber se a área é considerada área de preservação permanente (APP) ou área de risco. “Muitas pessoas vendem os terrenos de má fé, sabendo que o local tem risco de deslizamento, por esse e outros casos que sempre alertamos para que os compradores fiquem atentos na hora de comprar um terreno”, alerta o coordenador da Defesa Civil.