Por: João José da Silva
Ao contrário do que muitos pensam, aquele pequeno córrego, hoje completamente assoreado, que desemboca no chamado Rio da Madre (e que na verdade se chamava rio Embahú), ao lado do rancho de canoa do Cabral, não era um rio, e sim, um canal aberto pelo homem lá pelos idos de 1840 e que ligou a comunidade da Guarda ao mar da Pinheira. Encontramos documentos centenários que mostram a façanha. Esta e outras histórias estarão em um novo livro de minha autoria, que deve ser lançado em breve, resgatando a memória palhocense.
De acordo documento assinado pelo marechal de campo Antero José Ferreira de Brito, da Assembleia Legislativa da província de Desterro, na sessão ordinária de 1º de março de 1841 (mantida, inclusive, a grafia original): “Estando auctorisada pelas Leis Provinciaes Nº 17 e 36 a abertura de hum canal entre o Rio Embahú, e o mar da Pinheira; vendo a barra daquele Rio completamente obstruida, e elle tresborda-se de continuo perdendo o seu leito natural; afiançando-se-me que os moradores das circumvisinhansas se prestarião voluntários ao trabalho de abertura; passei as ordens para Ella, devendo dar-se-lhe principio no dia 7 de Setembro, denominei o canal - Canal da Independência”.
É sabido que a obra demorou para sair, porque a maior parte dos moradores não compareceu para ajudar, usando como pretexto terem que “acodir às suas lavouras”. Num dos trechos do documento datado de 1841, o marechal de campo cita: “(...) Comtudo, sendo essa obra de transcendente utilidade pública, autorisado pelo 9. do Artigo 1º. da Lei Nº 146, tenho-a mandado continuar pelos mesmos meios de que me servi para principial-a; e com o auxilio d’alguns dos moradores, que agora se tem apresentado, espero que com pouca despeza dos cofres públicos será concluída. Vos determinareis a taxa, que pelo uso da obra deverão depois pagar aquelles que para Ella não tiverem concorrido”. Quer dizer: ajudado!
Em 1842, o marechal de campo Antero José Ferreira de Brito, em suas tratativas com a Assembleia Legislativa da Provincia, relatou: “Continua a abertura do canal da Independencia, que em breve espero fique terminada, e com bem pouca despesa dos Cofres Provinciaes”.
Em 1843, o marechal de campo escreveu: “Falharão-me alguns dos meios com que contava para completar a abertura do Canal da Independencia, mas não perdi as esperanças de o ver concluído, principalmente porque me ajuda no intento o cidadão Joaquim José da Costa, que, com os moradores que sabe atrahir, concorrem a este trabalho, sempre que lhes é possível deixarem por algum tempo o de suas lavouras”.
O canal, em 1884, segundo o marechal de campo: “Ainda se trabalha no Canal da Independencia para o aperfeiçoar, mas tenho a satisfação de informar-vos, que estão desvanecidos os receios que alguns entretinham de que as agoas do Embahú nunca tomariam a direcção da Enseada da Pinheira. Isto já se verificou, e eu vi canoas carregadas navegarem pelo canal e sahirem a barra, mas como na occasião em que elle se franqueou, esta o Rio em demazia caudaloso com as agoas das serras, não bastou o Canal para dar-lhes sahida, e houve tresbordamento para o mar grosso, ficando em partes secco o canal. Acodirão então os moradores dirigidos pelo activo Cidadão Joaquim José da Costa, para fazerem os trabalhos conduccentes a impedirem a repetição deste transtorno, mas não os puderam concluir nesse tempo, e eu mesmo os fiz despedir, não só por caasa das copiasas chuvas que estão a cahir, mas também porque era tal a carestia de mantimentos que não havia com que sustentar os trabalhadores. Para que este ultimo obstáculo não torne a apparecer, e porque esta obra tem sido levada áo ponto em que se acha, sem dispêndio dos cofres públicos, proponho no Orçamento que para Ella se consigne a quantia de quinhentos mil reis”.
Em 1845, o marechal, se reportando à Assembleia, argumentou: “Tem-se por vezes continuado os trabalhos do Canal da Independencia á tornal-o mais largo, e profundo em toda sua extensão de mais de oitocentas braças; continuando á suhir, e entrar por elle canoas carregadas. Precisa ser auxiliada esta obra no Exercicio futuro com a quantia de 200 mil reis, pelo menos, unicamente para comestíveis dos trabalhadores, compra, e concertos de ferramentas”.
O Canal da Independência, que ligou a Guarda do Embaú ao mar da Pinheira, volta novamente aos anais da história da Assembleia Legislativa da Província em 1854, quando a Secretaria da Presidência da Assembleia emitiu a seguinte proposta de lei: “Tendo examinado o canal denominado da Independencia, convenci-me da praticabilidade delle. A obra está bastante adiantada, e pode-se em um anno pouco mais ou menos, concluil-a, se não, para Hiates, ao menos para Canoas. Os lavradores, que presentemente levão ao Embahú os seus productos em canoas, e ahi os passão em carros para a Pinheira, para depois passar em canoas para os Hiates, os conduzirão sempre em Canoas até os baldearem para os Hiates, e assim pouparão metade dos gastos de transporte. Sendo porem presentemente essa commodidade só para os lavradores da Gamboa, e lugares visinhos aos rios da Madre e Paulo Lopes, justo é que elles facão a obra, ajudando-os a Provincia com ferramentas, e uma ração de carne a cada pessoa. Se todos fossem razoaveis, e não quizessem uns, como zangões, utilizarem-se do trabalho alheio, nada mais necessário seria, que consignardes a quantia de um conto de reis no exercício futuro; mas como nem todos tem o necessário brio, e bom senso, para prestarem-se de boa vontade a serviços de seus interesses, precizo é que por Lei se os obrigue a prestarem trez dias por mez, até a conclusão da obra, exceptuando-se somente os menores de 12 annos, maiores de 70, e os aleijados, ou inteiramente incapazes por enfermidades physicas ou moraes, de qualquer serviço; impondo-se mulctas, que a pagarão da Cadea, se a não sastisfizerem dentro de 21 horas, podendo fazer-se substituir por outro bom trabalhador, aquelle que nisso tiver interesse”.