Quem visitou a Guarda do Embaú nos últimos dias deve ter estranhado um curioso fenômeno, que acontece de tempos em tempos no paradisíaco balneário no Sul de Palhoça: o canal que permitia a entrada das águas do rio da Madre no oceano foi obstruído.
Os mais antigos moradores locais já não se espantam mais. Estão acostumados a observar o fenômeno. Seu Valdemiro Alvim Correa, o popular Cabral, diz que em toda sua vida, já presenciou o fechamento da barra 12 vezes. “Tem muita gente apavorada, porque nunca viu, mas é acostumado a fechar entre cada sete a oito anos, mas esta agora demorou uns doze anos para fechar. A ressaca foi muito grande e agora fez um tapume mesmo que foi coisa de louco. Agora, a gente tem que se conformar, a natureza é assim”, reflete seu Cabral. O morador analisa que o último bloqueio com dimensões semelhantes aconteceu em 1958, e a situação era ainda pior.
Seu Ride Osvaldo da Silveira, que mora na Guarda desde os anos 1980, diz que está acompanhando o bloqueio da passagem do canal pela terceira vez. “A primeira foi forte, tiveram que trazer a máquina lá de Paulo Lopes. A segunda deu mais fraquinha, eles cavaram com a pá. Agora não sei como vai ser”, pondera. “Agora só com uma máquina. Ela sozinha não corre mais, tem que cavar para recomeçar o ciclo da água”, avalia seu Cabral, que comanda o estacionamento mais tradicional da praia.
A reabertura da barra vai depender de uma posição da Defesa Civil do Estado. “A Secretaria de Agricultura e Pesca está tentando, junto à Defesa Civil do Estado, a autorização, depois de verificadas as questões de necessidade, devido a algumas áreas estarem suscetíveis de alagamento caso dê uma chuva forte. Então, estamos aguardando o posicionamento deles”, comenta o secretário-adjunto José Henrique Francisco dos Santos.
Natureza em ação
O professor Norberto Olmiro Horn Filho, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que se trata de uma região muito dinâmica do ponto de vista geológico-oceanográfico. O professor avalia que o fechamento da barra pode ter relação com dois processos agindo simultaneamente: “Transporte de sedimentos pela deriva litorânea de Sul para Norte, estendendo a praia da Guarda do Embaú para Norte; e assoreamento do canal do rio da Madre, acarretando na diminuição do processo erosivo do fundo do canal e consequentemente não tendo poder erosivo sobre a flecha originada pela deriva litorânea”.
O professor Eduardo Sartor Scangarelli, geólogo do curso de Engenharia Civil da Unisul e morador da Praia do Sonho, comenta que este fenômeno ocorre ao longo de todo o litoral, em períodos cíclicos. “Nossa orla é dita transregressiva, ou seja, ora o mar avança continente adentro, ora recua”, explica. “O caso da obstrução mais específica também diz respeito à carga de sedimentos transportados pelo rio, que tem relação direta com a proteção das margens e a consequente retenção pela vegetação do material erodido e careado para o canal fluvial”, emenda o professor.
Surfe liberado
O fechamento da barra do rio da Madre pode influenciar também na principal “commodity” da Guarda do Embaú: as ondas, que lhe renderam o título de Reserva Mundial de Surfe (RMS). “A força do rio é muito importante para a formação das ondas tubulares no canto. Sem ele, teremos que analisar assim que o vento Sul parar, mas com certeza haverá alguma mudança. No entanto, as ondas do meio da praia não serão tão afetadas. É esperar pra ver como vai se comportar a natureza”, avalia o presidente do Comitê Executivo da RMS Guarda do Embaú, Marcos Aurélio Gungel (Kito).
O fenômeno acontece justo no momento em que o surfe havia sido liberado na Guarda, depois do recesso para a realização da pesca da tainha. A temporada ainda não terminou, mas desde o dia 4 de julho a praia está aberta para a prática do esporte. Isso porque a Associação de Pescadores e o Grupo Tribo resolveram liberar a praia. “Foi uma excelente safra, com muito peixe e tudo na paz. Tendo em vista que o mar vai ficar grande e vai dar altas ondas, e com o recuo das tainhas, resolvemos então liberar a praia para o surfe. No entanto, ainda podemos pescar segundo a licença. Se caso vier a aparecer tainha, a praia pode ser fechada para executarmos o cerco ou o arrastão”, informam os pescadores.