O que Santa Catarina pode aprender com o Vale do Silício? O questionamento é feito pelo professor e gestor de negócios na Unisul Leandro Piazza. O professor passou 12 dias na Califórnia, visitando empresas e instituições de ensino, e explanou sobre as impressões colhidas em uma palestra, realizada na segunda-feira (9), na Pedra Branca.
Na palestra “Como o Vale do Silício Impactará sua Carreira?”, Leandro falou sobre as origens do Vale do Silício, definição cunhada pela primeira vez em uma publicação em 1971. A região compreende cidades pequenas situadas entre as referências San Francisco e San Jose, na Costa Oeste norte-americana. Todas muito ricas, especializadas na produção de software e hardware para a indústria de computadores. Foi justamente a produção de hardware que rendeu o apelido de Vale do Silício: o chipe de silício foi o primeiro insumo para a indústria de computador, e as placas de computadores do mundo inteiro eram produzidas ali, por isso a região aglutinou inúmeras empresas do ramo tecnológico.
De lá para cá, se transformou na Meca da tecnologia no mundo. Mas a tecnologia é apenas uma commodity; o diferencial, de fato, são as pessoas. “O segredo da inovação está na capacidade das pessoas de pensar e agir ‘fora da caixa’. Neste sentido, percebo que Santa Catarina pode e deve se inspirar no desenvolvimento tecnológico, mas, principalmente, investir no modelo de educação do Vale do Silício”, reflete Leandro, que leciona disciplinas de mercado, relacionadas a assuntos como empreendedorismo, marketing e comércio exterior, para vários cursos na Unisul.
Leandro fez os contatos e a universidade viabilizou a ida aos Estados Unidos. A ideia é discutir a nova educação e o que é tendência de educação no futuro. E neste caso, o Vale do Silício é um terreno fértil de inovação. “A imersão foi fantástica, vi muita coisa, muita tecnologia, mas fui entender também por que eles são diferentes em termos de educação, por que eles têm o maior PIB dos Estados Unidos, o maior PIB concentrado do mundo. Por que as melhores escolas estão lá? Por que iniciativas não regulamentadas pelo governo ganham tanta visibilidade lá? Quais são as habilidades, o que esses caras estão ensinando e de que forma estão ensinando?”, pondera o professor.
Mais até do que o conteúdo, a grande questão parece ser, mesmo, a forma de ensinar. Nosso sistema de gestão escolar é linear, burocrático, antigo e limita a criatividade. Visitando instituições como a Singularity, a Drapper, a Minerva e a inusitada 42, o professor descobriu que a lógica do ensino universitário é invertida: ao invés de começar a ensinar as teorias conhecidas como base para a prática futura, eles analisam as tendências de mercado e estimulam os alunos a tentar aprender, corrigir e melhorar essas tendências a partir das teorias. “Hoje, a gente dá teoria para mandar o cara para a prática; lá, eles estão botando os caras na prática para vir alinhando eles com a teoria”, explica. “Aqui, o aluno vem para a sala de aula e está em um ambiente isolado do que está acontecendo por aí, e lá eles quebraram essa barreira, não existe limite entre o que é mercado e o que é escola”, acrescenta.
Talvez por isso o mercado esteja tão atento ao que é produzido nessas instituições. A 42, por exemplo, nem é regulamentada pelos órgãos oficiais de educação dos Estados Unidos, porque não tem professor nem sala de aula, mas seus alunos são os mais cobiçados por empresas como Google, Netflix, Facebook e Salesforce (empresa de “software on demand” que encara com tanta seriedade a proposta de armazenamento em nuvem que solicitou uma licença especial à municipalidade de San Francisco para construir sua sede em um arranha-céu gigante que realmente ficasse “imerso” entre as nuvens).
E o que esses caras fazem de tão especial? Eles pensam! São estimulados a raciocinar e a produzir a partir do raciocínio. Sem medo de errar. O mercado regula o erro, consumindo ou não os produtos desenvolvidos, e os erros não puxam o tapete de ninguém, pelo contrário, servem de base para o próximo acerto. É assim que eles criam, na prática, o que hoje é visto mais como ficção científica do que como realidade. Leandro viu robôs que fazem pizza, que servem café; ouviu pesquisadores que trabalham com inteligência artificial projetarem um futuro em que nossos cérebros poderão ser inseridos em máquinas; testou um quadro com transmissão em tempo real para aulas de educação a distância; conversou com empreendedores que estão desenvolvendo impressora de tecidos orgânicos - já imaginou como seria o transplantes de órgãos em um mundo onde se pudesse imprimir um rim ou um pulmão, por exemplo?
Mas no meio de tanta tecnologia, há espaço para os seres humanos? Sim, desde que as habilidades certas sejam estimuladas, como a habilidade de inovação, a criatividade, a liderança, a tomada de decisão; tudo com sentimento, com “feeling”. E isso pode ser ensinado? Pode e deve. Este é o grande desafio da educação contemporânea. “Metodologias de futuro profissional trabalham aspectos emocionais da pessoa, porque em performance, um robô vai ganhar de ti. O que o ser humano vai ter como diferencial competitivo: a resiliência, a tolerância ao erro, o processo de liderança, a capacidade de negociação. O robô só negocia com o que está lançado no sistema, o ser humano tem a sensibilidade de saber onde pode negociar, pra mais ou pra menos, sem afetar o todo”, argumenta o professor Leandro.
As empresas do Vale do Silício entenderam isso e investem em treinamento para trabalhar as chamadas “soft skills” (sensibilidade e habilidades intrapessoais e interpessoais que não se aprende no sistema de ensino tradicional) em candidatos que precisam, apenas, ter muita vontade de aprender. “Isso faz com que os caras sejam extremamente produtivos”, atesta.
Realidade virtual
No material de divulgação que convidava os interessados a participar da palestra na Pedra Branca, Leandro usou a imagem de uma pessoa utilizando um óculos de realidade virtual. Essa tecnologia pode representar um avanço significativo no universo do ensino-aprendizagem. O aparelho não tem nada de especial, é apenas um jogo de espelho e lentes; o que faz a diferença é o software que vai transformar um ambiente físico em um ambiente virtual. Isso abre portas para inúmeras formas de utilização, do entretenimento à educação.
Um exemplo: não são todas as instituições que conseguem montar um laboratório de ponta, com equipamentos de última geração. Com a tecnologia de realidade virtual, basta estabelecer um convênio com a administração do melhor laboratório do mundo e a experiência de aprendizagem é igual à presencial. Isso porque quando colocamos os óculos e ficamos imersos no ambiente virtual, nosso cérebro não consegue fazer a distinção entre realidade e “fantasia”; para o cérebro humano, a experiência é real. “Isso é uma solução para o problema educacional no mundo todo”, projeta o especialista.
Leandro Piazza diz que é “professor de sala de aula”, que gosta de sala de aula, mas entende que a realidade virtual pode e deve ser utilizada para aperfeiçoar a experiência de ensino. “Nossa geração aprendeu que o ensino é difícil e chato. Mas o ensino tem que ser uma coisa fácil e divertida”, compara. “Se tu queres ter um planeta melhor, uma população mais igualitária, tu torna o ensino fácil e divertido, que todo mundo tem acesso, que todo mundo entende, que todo mundo gosta, e tá resolvido o problema”, sentencia.