Esta sexta-feira (22) marcou o Dia do Abraço, e a dificuldade de se dar aquele abraço do fundo da alma neste cenário de pandemia, em que não se pode sequer apertar as mãos, frustra a celebração da data em plenitude. O poeta Mário Quintana tem uma frase antológica: “Abraçar é dizer com as mãos o que a boca não consegue, porque nem sempre existe palavra para dizer tudo”. E neste "novo normal" em que estamos vivendo, os abraços virtuais estão dando lugar aos presenciais.
Nas relações humanas, o abraço simboliza a felicidade e a sua ausência corresponde ao déficit no relacionamento, explica a psicóloga e professora do curso de Psicologia a Unisul Ana Maria Pereira Lopes. “Um abraço pode representar a emoção de que embora eu me sinta pequena, insegura, pois sou uma criança, tenho alguém ali que faz cuidado, reconhecimento, aceitação, ajuda etc. fazendo de mim outra pessoa, humanizando-me. Por isso, o abraço é muito importante. É curioso que seja estabelecido o Dia do Abraço e, muitas vezes, não seja considerado como este ocorre a partir de sua representação de cuidado que traz”, reflete.
A professora observa que a falta do abraço ocasiona uma falta, um déficit no enfrentamento de situações que envolvam relacionamentos. “Por outro lado, há de se lembrar que enfrentamos situações difíceis na vida, sobretudo, quando adultos, porque tivemos ema alguma medida essa experiência. A falta de um abraço então pode ter desdobramentos diferentes a depender de condições desiguais”, acrescenta.
Ana Maria explica que os seres humanos, diferentemente dos outros animais, têm, na sua história de constituição como sujeitos, uma condição para a sua existência: a de ter vínculo, cuidado e reconhecimento de alguém. Não há ser humano que alcance seu potencial humano que não tenha desenvolvido uma etapa de cuidados na qual “um outro” outra pessoa não tenha feito essa tarefa. E nesse processo de cuidado, muitas vezes somos “abraçados”, tocados, envolvidos. O abraço que damos hoje, sem burocracia, e de fato felizes por encontrar uma pessoa é, em alguma medida, advinda dessa felicidade por ter tido “um outro” na nossa humanização.
Mas em tempos de isolamento social e físico as pessoas estão tendo que evitar o abraço e o contato de um modo geral. Uma ligação ou uma chamada de vídeo pode amenizar, muitas vezes esta falta. Na opinião da psicóloga, as pessoas, em suas vidas, podem enfrentar situações em que não consigam revisitar essas vivências de modo mais físico, que pode ser um abraço. E o isolamento social é uma dessas possibilidades. “Nesses momentos há de se buscar outros tipos de contato, que no tempo atual, são muito facilitados por comunicação por meio tecnológicos, sobretudo a camadas da população com tais acessos a bens materiais. Mas há de se lembrar que a qualidade dessa relação vai depender da história de vínculos das pessoas também”, destaca.
A professora da Unisul salienta que a quarentena não é a experiência de estarmos indo para uma viagem na qual escolhemos fazer isoladamente, ou um trabalho a que nos dedicamos. “Essa condição que estamos experimentando se apresenta para nós como algo inusitado, que quebra nossos planos, e ainda mais, coloca a possibilidade de perda de coisas e pessoas. Até mesmo nossa possibilidade de finitude é colocada em xeque. Então, a dificuldade de enfrentar o isolamento social, em um primeiro plano, passa por tudo isso para todos nós, a não ser para alguém que esteja em um processo psicológico de negação dessa realidade, o que é até mesmo uma condição patológica. Mas ressalto que também passa pelas condições concretas de vida das pessoas: condições arquitetônicas de sua residência, qualidade do meio de comunicação, tal como já falei antes. E por isso que essa pandemia é considerada como uma situação que atinge de modo diferente, diferentes camadas sociais”, argumenta.
Diante deste cenário, a professora Ana Maria dá algumas dicas
A primeira é a de buscar condições de encontro em que essas possibilidades de humanização possam de alguma forma estar presentes. Por exemplo: marcando um horário, se arrumando para tal, brindando uma bebida, um chá, um café, um vinho etc. É como dizia Saint-Exupéry, por meio do seu personagem, o Pequeno Príncipe: "Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração…".
Uma segunda ação possível pode ser a conversa franca e direta sobre essa falta. A expressão sobre o que é que está fazendo falta naquela relação. Isso pode dar base para construção de outro tipo de representação sobre a relação. Pois, falar sobre algo faz esse algo representado no nosso psiquismo. E assim, se conversamos sobre nossa relação, e o modo como ela está ocorrendo, afirma a mesma e a concretiza psiquicamente, ainda que em outras condições. E aí o principio da alteridade, que como diz Emmanuel Lévinas diz respeito à possibilidade de que nos “nos constituímos com o outro”, fica pouco alcançável.
Uma terceira ação que pode ser pensada é a seguinte: não há de tentar de modo maníaco, tentar suprir todas as faltas de encontro. Muitas vezes, as pessoas, se colocando excessivamente em relações, são muitas lives, muitas mensagens trocadas a todo o momento, muitas reuniões por dispositivos diversos a todos os momentos. Uma sensação de que devemos responder tudo imediatamente, como se fôssemos perder as relações, enfim. Por vezes, parece haver uma tentativa de excesso de comunicação, sem a busca do espaço para o vínculo, a conversa e o abraço. E aí, na tentativa de estar junto em meio a todas aquelas condições que nos coloca o isolamento social, ficamos sem encontrar o abraço, e aquele representante de cuidado que tanto nos faz humanos!
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