Depois de uma semana atípica, em que a rotina dos palhocenses virou de pernas pro ar em função da paralisação nacional dos caminhoneiros, a expectativa é a de que o cotidiano de Palhoça volte ao normal nos próximos dias. Nesta quarta-feira (30), o movimento grevista dava sinais de dissipação; ainda que a conta-gotas, a gasolina chegou aos postos de combustível, provocando filas estratosféricas; e comércio e indústria fazem os cálculos dos prejuízos, à espera do reabastecimento. De todas as lições deste momento emblemático da nossa história recente, talvez a mais importante seja a de que grande parte do povo palhocense, descontente com relação aos rumos do país, está disposto a fazer sua parte pela ordem e progresso da nação. Que a mobilização popular dure, pelo menos, até o próximo chamado das urnas!
A sensação de que a vida, aos poucos, voltaria ao normal era visível na movimentação de carros pelas ruas da cidade nesta quarta-feira (30), em um volume superior ao registrado nos últimos dias. Postos de combustível começaram a ser reabastecidos na noite de terça-feira (29). Mas não foi fácil. Com um prejuízo estimado em R$ 1 milhão por dia para seus associados, o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis Minerais de Florianópolis (Sindópolis) recorreu à Justiça e conseguiu, em decisão liminar do juiz Yannick Caubet, da Comarca de Biguaçu, proferida na noite de segunda-feira (28), a liberação do acesso nas imediações da distribuidora da Petrobras localizada no município e que abastece de combustíveis a região da Grande Florianópolis.
Para o cumprimento da determinação, o juiz solicitou a comunicação do fato ao comando da Polícia Militar e autorizou o uso da força policial para remoção de veículos, caminhões, carros de som e outros objetos, meios e pessoas que pudessem atrapalhar a saída dos caminhões da base da Petrobras. A PM teve trabalho, mas conseguiu agir para garantir a saída de caminhões que abasteceram 13 postos na Grande Florianópolis. Aí vinha uma segunda missão: conseguir abastecer os veículos nos postos, vigiados por manifestantes e apoiadores da paralisação dos caminhoneiros. Em um posto no Bela Vista, na noite de terça-feira (29), os manifestantes fizeram tanto barulho que o posto acabou fechando as portas.
Nesta quarta-feira, com a chegada de combustível a uma quantidade maior de postos, a dificuldade maior foi enfrentar as filas quilométricas para abastecer o carro. A quantidade foi limitada: R$ 100 por consumidor. Outro problema era ouvir a queixa de quem condenava a atitude de correr aos postos atrás de combustível. Muitos motoristas parados nas filas relataram que foram agredidos verbalmente – curiosamente, a maioria dos “queixosos” também passava de carro, estabelecendo aí um paradoxo conceitual. O fato é que a “turma do tanque na reserva” foi eleita como a grande vilã do movimento grevista.
Sensação de “derrota” no Catarinão
Um sentimento de derrota parece ter tomado conta dos caminhoneiros acampados no posto popularmente conhecido como Catarinão, localizado entre os acessos aos bairros Bela Vista e Aririú, nesta quarta-feira (30). É o que relata uma moradora de Palhoça que segue no local, acompanhando a paralisação. O Catarinão é uma das fortalezas de resistência do movimento que parou o Brasil nos últimos 10 dias. E mesmo diante da aparente vitória com relação às reivindicações da categoria, o sentimento é de derrota, de traição. Não a traição das lideranças que costuraram um acordo com o governo federal, e sim, da população que correu aos postos de combustíveis assim que chegaram os primeiros carregamentos.
“O gigante foi morto por seu próprio povo. O povo brasileiro mostrou ao mundo que apoia a corrupção e a criminalidade”, expressa um cartaz que percorreu as redes sociais nesta quarta-feira (30) e que sintetizaria o sentimento coletivo dos apoiadores do movimento sediados no Catarinão. Isso porque a paralisação, que começou com a luta de uma categoria específica por melhores condições de trabalho, rapidamente catalisou o descontentamento de vários profissionais, de cidadãos de várias classes sociais, com os rumos do país.
A luta dos caminhoneiros se agigantou em uma bandeira nacional, em um símbolo de transformação. E os palhocenses compraram a ideia. Desde o final da semana passada, foram organizadas inúmeras manifestações de apoio às margens da BR-101. O protesto foi povoado por milhares de pessoas com diferentes posições políticas, com diferentes visões sociais. Entre as faixas e cartazes sustentadas por populares e que transformaram o Catarinão em um posto avançado da resistência, era possível verificar diferentes tendências. Um dos grupos mais mobilizados era o que pede uma intervenção militar no país. “O povo está apoiando a intervenção militar, é pelo Brasil, é por todos nós”, comentava a aposentada Judith Koerich da Silva, que faz parte do Grupo Ação Patriótica Catarinense (GrAPC).
Nesta quinta-feira (31), uma nova manifestação foi convocada nas redes sociais, a partir das 14h. Na terça-feira (29), a população respondeu à convocação e participou de protestos na Praça Sete de Setembro, na Passagem do Maciambu e também no Catarinão, onde a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Exército estiveram presentes para garantir a ordem e o livre trânsito de veículos e pedestres. As autoridades também acompanharam a visita de um oficial de Justiça, que entregou um documento às lideranças. A comarca de Palhoça, de forma judicial, queria garantir que não haveria obstrução da rodovia e da entrada e saída do posto. Inclusive, dos caminhoneiros que quisessem seguir viagem. Quem optou por abandonar o movimento não foi impedido, mas passou pelo constrangimento da desaprovação de quem resolveu permanecer na paralisação. Em todo o país, 1.129 caminhões e carretas foram escoltados pelas rodovias do Brasil na terça-feira (29).
Em Palhoça, não foi diferente. Imagem captada pelo drone do Palhocense na tarde desta quarta-feira (30) mostrava a redução do número de veículos estacionados no Catarinão. À noite, a expectativa era a de que os motoristas de caminhão deixassem o posto, de volta aos lares, com a certeza do dever cumprido. Na quinta-feira (1) pela manhã, nas imediações do posto, algumas pessoas ainda resistiam em protesto, mas quase não havia caminhões estacionados.
Exemplo de solidariedade
Apesar da crescente desmobilização, muitas pessoas ainda acompanharam os manifestantes na tarde desta quarta-feira (30). A psicóloga Rita de Cássia de Almeida, moradora da Pedra Branca, foi uma dessas pessoas. Desde o início da paralisação, Rita se prontificou a ajudar os caminhoneiros mobilizados em Palhoça, buscando junto a empresários e moradores da cidade, insumos que possam suprir as necessidades básicas dos manifestantes. “Esforços têm sido realizados para que possamos cuidar de quem está defendendo nossos direitos. Para uma categoria desvalorizada por este gigante país, que passa dias e noites na estrada, expostos aos mais diversos riscos para que em nossas mesas tenha o pão nosso de cada dia. Para que nossos filhos tenham um leite ou um cobertor para se aquecer”, reflete a psicóloga.
“Ciente da dificuldade desta classe de trabalhadores no transporte de cargas, constituída por pessoas simples que têm como base a luta diária pela sobrevivência de sua família e amor por sua profissão, estamos buscando mobilizar as pessoas a doarem insumos e alimentos. Buscamos sensibilizá-las para a importância da ser solidário à dor alheia, à luta alheia. Aqui creio que o termo alheio utilizo equivocadamente, vejo esta controvérsia: como é possível ser alheio se este mesmo alheio luta por nossos direitos? São trabalhadores unidos e competentes que conseguiram parar este gigante e mostrar que se somos gigantes pela própria natureza, somos mais gigantes ainda quando nos unimos para proteger a dignidade de nossa nação. A todos os caminhoneiros e a todos que estão nos ajudando, meus sinceros aplausos”, finaliza Rita, que fez questão de voltar ao posto na noite de quarta-feira para agradecer e aplaudir os integrantes do movimento.
Decisão judicial
O juiz Fernando de Castro Faria, que atende em regime de plantão na 2ª Vara da Fazenda da Capital, concedeu, na manhã desta quarta-feira (30), o pedido de liminar (tutela de urgência) em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MP/SC), para determinar que todos os envolvidos na paralisação dos caminhoneiros se abstenham de impedir, obstaculizar ou dificultar a locomoção de pessoas e veículos em qualquer via pública do território catarinense, sob pena de multa diária de R$ 100 mil às pessoas jurídicas que figuram como rés na ação (Associação Brasileira dos Caminhoneiros, Confederação Nacional dos Transportes Autônomos, União Nacional dos Caminhoneiros) e de R$ 5 mil às pessoas físicas que atuem em desacordo com a decisão.
A medida foi tomada em razão da grave situação em que se encontra Santa Catarina, com os inúmeros pontos de bloqueio em rodovias federais, estaduais e municipais, que trouxeram problemas graves para toda a sociedade.
Na área da saúde, foram registradas a suspensão de cirurgias eletivas por hospitais públicos; atendimentos ambulatoriais foram prejudicados, assim como a distribuição de medicamentos. Segundo diagnóstico do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde, cerca de 70 municípios indicam falta de medicamento e 47 estão sem material médico, hospitalar ou laboratorial. Em Palhoça, os serviços foram parcialmente afetados. As unidades básicas de saúde funcionaram em horário normal e foi mantido o transporte de pacientes em tratamento oncológico e para aqueles que necessitam realizar hemodiálise. Permaneceram ativos, também, os serviços de urgência e emergência nas unidades de pronto atendimento e no Samu. “O movimento é pacífico e está respeitando os serviços essenciais, e digo isso pois em Palhoça fomos liberados pelo movimento grevista de receber combustível para atender os serviços essenciais da nossa cidade”, comentou o prefeito Camilo Martins, que se posicionou a favor do movimento grevista, na última sexta-feira (25). Porém, foram suspensos momentaneamente os atendimentos eletivos (agendados) nas unidades de saúde e na policlínica de especialidades médicas. Os pacientes serão comunicados sobre o reagendamento.
Na área da educação, as aulas foram suspensas na rede municipal de ensino a partir da última sexta-feira (25) e só devem ser retomadas na segunda-feira (4). Também sofreram paralisações as aulas em instituições de ensino superior estabelecidas na cidade, como o IFSC e a Unisul.
Outros serviços públicos, como a coleta de lixo, também deixaram de ocorrer de forma regular, pois os caminhões foram impedidos de circular em determinados pontos e horários, pelo movimento grevista.
O transporte coletivo foi outro setor afetado pela greve, em função da escassez de combustível (a Jotur opera com horário de sábado) e também com a paralisação dos trabalhadores vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores no Transporte Urbano de Passageiros da Região Metropolitana de Florianópolis (Sintraturb), que reduziram o horário de trabalho como forma de apoio ao movimento dos caminhoneiros.
Transtornos na economia
Nenhum setor sofreu tanto com a paralisação quanto o setor produtivo. A arrecadação de ICMS dos municípios catarinenses teve queda drástica em função da paralisação dos caminhoneiros. Com a rede de abastecimento afetada, a roda da economia estagnou. Entre quinta-feira (24) e sexta-feira (25), a queda calculada pela Federação Catarinense de Municípios (Fecam) foi de 33,2%. Em Palhoça, a redução na arrecadação foi ainda maior, em comparação com o mesmo período em 2017: 34,4% (uma perda estimada em R$ 70 mil, em apenas dois dias).
A CDL de Palhoça promoveu uma reunião extraordinária nesta terça-feira (29) para avaliar a situação decorrente da paralisação dos caminhoneiros e de manifestações acopladas (como a parada do transporte coletivo), e contou com a participação da Associação Empresarial de Palhoça (Acip). O encontro definiu uma pauta conjunta de sugestões e de reivindicações das duas entidades a ser entregue ao prefeito Camilo Martins.
O presidente da CDL, Josué da Silva Mattos, antecipa que a disposição das lideranças empresariais é a de discutir com o prefeito medidas pontuais que possam fazer com que a normalidade volte o mais rapidamente possível ao cotidiano dos cidadãos de Palhoça, principalmente no que tange ao fornecimento de combustíveis, gás de cozinha e o pleno funcionamento do transporte coletivo. “A greve afetou todos os setores da economia local, especialmente os empresários que tiveram que paralisar suas atividades e ficaram sem geração de negócios durante a greve, o que é uma ameaça à economia e com possibilidade inclusive de desemprego no município”, alertou.
O presidente da Acip, Marcos Cardoso Canto, destaca que o enfrentamento de uma mobilização desta magnitude está no âmbito do governo federal, mas entende que cada município pode adotar um posicionamento preventivo a para tentar minimizar os efeitos para a classe produtiva, em especial, e para a população em geral. “Nossa entidade tem o compromisso de representar a classe empresarial e empreendedora do município, assim como também o faz a CDL, e não podemos nos omitir neste momento tão grave que o país enfrenta”, disse Cardoso.
A movimentação das lideranças da CDL e Acip também será direcionada aos representantes políticos nas esferas estadual e federal, para que o posicionamento das entidades possa repercutir de maneira mais ampla possível junto às autoridades de todos os escalões. “A paralisação dos caminhoneiros trouxe muitos transtornos e prejuízos que a sociedade terá que absorver de agora em diante, mas apresenta também um claro recado de que a população quer mudanças, quer prioritariamente o fim da corrupção e uma carga tributária mais justa, quer retorno daquilo que paga em termos de atendimentos e que será muito mais exigente em cobrar a contrapartida dos impostos a partir de agora, principalmente nesta época que precede as eleições”, disse Cardoso.
A Acip também manifestou “total repúdio” ao comportamento dos sindicalistas do transporte coletivo da Grande Florianópolis, que optaram pela redução dos horários. “A postura destes sindicalistas é recorrente, a mesma de outras oportunidades, onde as mobilizações têm sempre o objetivo de provocar transtorno e prejuízos em nome de uma pretensa defesa de direitos dos trabalhadores, estes, sempre os maiores prejudicados”, expressa a entidade. “A população está fragilizada por uma crise econômica sem precedentes, a qual se agrava por uma inércia política e judicial absolutamente lamentável neste momento em que as instituições precisam restabelecer a autoridade e fazer valer os direitos constitucionais dos cidadãos”, finaliza.
A direção da CDL afirma que a greve dos caminhoneiros teve uma motivação legítima, apoiada por boa parte da população. No entanto, salienta que as principais reivindicações da classe foram atendidas pelo governo federal e, ainda assim, os caminhoneiros continuaram parados. As cidades em todo o país sentem os reflexos do desabastecimento. Além da falta de combustível nos postos, alimentos e outros produtos essenciais não chegaram ao comércio de Palhoça. Tanto indústrias e produtores rurais quanto o comércio e os prestadores de serviços foram prejudicados com o prosseguimento da greve “para além do necessário”, avalia a CDL. “Os comerciantes e prestadores de serviços foram muito afetados por essa paralisação. Estimamos que os estabelecimentos palhocenses tiveram uma queda de 70% em seus negócios. A pauta dos caminhoneiros é justa, mas é preciso ter responsabilidade para com o Brasil. Infelizmente, oportunistas se infiltraram nas legítimas reivindicações da classe, alterando o sentido original da greve. A população não pode sofrer ainda mais neste momento delicado pelo qual a economia do país passa”, destaca Josué da Silva Mattos.
Problemas de fornecimento de matérias primas essenciais fizeram com que a empresa fabricante de equipamentos médicos e odontológicos Olsen, uma das maiores empresas de Palhoça, decidisse pelo fechamento da unidade de produção por um período de 16 dias. As férias coletivas foram a única alternativa por conta da impossibilidade de continuar produzindo. Compromissos de entregas previamente firmados terão renegociação de prazos de entrega. Os setores que permanecem operantes em forma de plantão são o comercial e o pós-venda.
Fundador e presidente da empresa, o industrial Cesar Olsen é favorável à mobilização dos caminhoneiros e acha que este episódio será propulsor de mudanças que ele considera necessárias para que a indústria brasileira consiga elevar o patamar de competitividade no mercado nacional e principalmente internacional. “Situações de ruptura como esta podem impulsionar a velocidade das mudanças que tanto defendemos mas que nunca acontecem. A classe política tem uma excelente oportunidade de justificar tudo aquilo que sempre promete em cima dos palanques, mas depois da eleição relega e posterga as ações. O Brasil não pode mais esperar”, afirma o empresário.