Por: Sofia Mayer*
As políticas de isolamento social têm modificado paisagens do mundo todo: sem tanta poluição nas ruas, em virtude da diminuição das atividades industriais e das restrições na circulação de pessoas, montanhas emergem no horizonte, enquanto águas de canais, rios e mares aparecem mais límpidas e cristalinas. Em Palhoça, porém, o fenômeno seria mais marcante se o município não tivesse que lidar com um problema antigo, que parece estar se intensificando no período de quarentena: as queimadas e ocupações ilegais em Áreas de Proteção Ambiental (APA) e de Preservação Permanente (APP). As ocorrências acontecem, sobretudo, na região da Serra do Tabuleiro, onde os cenários, muitas vezes, têm cor e cheiro de chamas.
Crendo na hipótese de menor fiscalização, especuladores imobiliários estão aproveitando as medidas de restrições sociais para intensificar as queimadas na região entre as praias da Guarda do Embaú e da Pinheira. Em termos gerais, a ideia dos grileiros se concentra em retirar a vegetação do território e instalar famílias, que, com o tempo, consolidam uma espécie de conurbação na área. No dia 10 de abril, com a quarentena já vigorando no estado, populares acionaram guarnições para tratar de um incêndio no parque, configurado como criminoso pelas equipes de investigação; 17 bombeiros militares, com um caminhão, uma ambulância, e três camionetes, atuaram no combate às chamas.
Um suspeito de atuar no incêndio chegou a ser detido e levado à delegacia. Carolina Quintana Guedes, delegada da Polícia Civil responsável pelas investigações, afirma que a situação de pandemia interferiu nas ações policiais. “Nós, da Polícia Civil, representamos pela prisão preventiva dele. Porém, o poder Judiciário entendeu que, por alguns argumentos, não seria o caso da preventiva. Inclusive, apontou como argumento a questão da Covid-19”, afirma. Testemunhas relataram que o homem é conhecido na região e chegou a sugerir que caberiam cerca de 30 famílias no território. De acordo com Guedes, as investigações ainda estão em andamento, e o acusado continuará respondendo ao processo. A ocorrência foi classificada como crime doloso e, conforme o Corpo de Bombeiros, as chamas não chegaram a avançar sobre as casas.
De acordo com o Boletim de Ocorrência, o autor confessou que ateou fogo na mata, mas admitiu que não imaginava que a queima tomaria proporções tão grandes. Ainda segundo o documento, o homem acusado tem histórico de crimes ambientais - já foi, inclusive, enquadrado por iniciar outros incêndios florestais no mesmo local. Dados coletados pela Polícia Militar e pela Polícia Militar Ambiental mostram que, na ocorrência do dia 10 de abril, 6.529 hectares foram consumidos pelo fogo.
Esse foi o segundo incêndio no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro em 2020. Em 15 de janeiro, bombeiros militares precisaram combater as chamas na região de Morretes. No dia, os dois sentidos da BR-101 chegaram a ser fechados por conta da fumaça. O inquérito policial para apurar a materialidade e autoria do crime ambiental está em fase final. Guedes antecipa que houve indiciamento de duas pessoas.
As queimadas e invasões de terra são problemas que castigam a região Sul com certa constância. Em setembro de 2019, por exemplo, um incêndio de grandes proporções destruiu mais de 800 hectares de vegetação do parque, na Baixada do Maciambu. Na ocasião, a Prefeitura de Palhoça decretou situação de emergência para solicitar reforço no combate, que contou com a ajuda da Defesa Civil. Menos de um mês depois, em outubro, uma nova ocorrência destruiu áreas do Parque da Serra do Tabuleiro, que abrange 84.130 hectares, e é considerado a maior unidade de preservação ambiental de Santa Catarina.
O diretor do parque, Carlos Cassini, conta que um plano de contingência para incêndios - que prevê organização na resposta aos crimes, aquisição de equipamentos e treinamento de brigadistas - está sendo elaborado para lidar com os casos frequentes de queimadas na região. “Desde primeiro de outubro, montamos um grupo de contingência que inclui várias instituições: Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), PMA, Bombeiros, Defesa Civil Estadual e de Palhoça, Polícia Civil, Instituto Çarakura e Secretaria Municipal de Segurança Pública (SMSP)”, afirma. Cassini revela também que o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro já realizou uma reunião com o Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) da Baixada do Maciambu, a fim de preparar o curso para brigadistas voluntários. As aulas de capacitação, no entanto, precisaram ser interrompidas por conta da pandemia do novo coronavírus.
Embora a expansão imobiliária seja um problema conhecido na região, o diretor afirma que nem sempre é possível reconhecer as razões das queimadas. Nos últimos casos, por exemplo, os responsáveis identificados tiveram razões diversas para explicar os incêndios: “Uma (pessoa) foi por acidente: ela varreu o quintal e botou (fogo) nas palhas, e o fogo se alastrou. Outro também parece que foi uma questão desse tipo, aquele em janeiro, perto da BR. Ali eram três pessoas que, parece, estavam fazendo alguma obra e colocaram fogo. Mas não com intenção de queimar a floresta”.
Área do Cumbatá e a especulação imobiliária
A região do Cumbatá, localizada entre as praias da Guarda do Embaú e Pinheira, também tem visto a especulação imobiliária aumentar com a quarentena no estado. Segundo denúncias, os infratores, crendo em uma fiscalização ambiental mais branda durante o período de restrições sociais, estão intensificando a retirada vegetativa da área, que agrupa fragmentos de restinga arbórea e dunas, concentrando APPs e APAs. No caso das Áreas de Proteção Ambiental, a permissão para erguer residências depende de uma série de regras e solicitações.
As queixas dão conta de que a destruição da vegetação no Cumbatá acontece há cerca de três anos. Segundo relatos, os acusados pressionam o poder público para aprovar um plano diretor que permita a construção das casas no local.
Existem, na 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Palhoça, vários processos de crimes ambientais referentes a construções indevidas. Muitos terminam em acordo. Em ação penal de fevereiro de 2018, por exemplo, o autor teria executado integralmente as condições impostas pelo promotor, que extinguiu a punição e arquivou os autos.
Munícipes afirmam que, hoje, há pessoas construindo estradas e vendendo terrenos no Cumbatá, por 90 mil reais. Cinco casas já teriam sido levantadas na região. “Os caras colocam capangas para que ninguém registre nada”, expõe uma das denúncias. Os homens já teriam, inclusive, ameaçado a vizinhança para manter o sigilo das operações. O fato já é de conhecimento do promotor de Justiça José Eduardo Cardoso, que solicitou à Polícia Militar Ambiental (PMA), no dia nove de abril, informações acerca dos fatos e a lavratura de Notícia de Infração Penal Ambiental (Nipa) e relatório de vistoria. No momento, a 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Palhoça aguarda resposta da PMA.
A Polícia Ambiental afirma que recebeu a notificação sobre a área do Cumbatá e realizou uma verificação no local, na última semana, com levantamento fotográfico e relatório de vistoria. “Foram encontradas algumas construções, porém, não foram encontrados os possíveis infratores. Perguntado sobre como estão construindo as edificações, populares não souberam responder”, conta o sargento Pires, da Polícia Militar Ambiental em Palhoça.
O sargento explica que existem duas etapas a serem realizadas depois da verificação de construções irregulares. Primeiro, um processo administrativo é feito, com notificação, seguida de multa. Depois, há um processo penal, que é encaminhado para a promotoria. Em ação com a Fundação Cambirela do Meio Ambiente (FCam), no ano passado, a Polícia Ambiental notificou uma série de residências construídas após incêndios grandiosos na área da Serra do Tabuleiro.
A Prefeitura de Palhoça afirmou que ainda não recebeu denúncias sobre o caso do Cumbatá.
* Sob a supervisão de Luciano Smanioto
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