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Gastronomia - Edição 680

O churrasco se sofisticou

Quando vim morar em Florianópolis, nos idos de 1977, para trabalhar no extinto jornal O Estado, participei de uma festa de igreja no bairro Saco Grande onde haveria churrasco. Imediatamente lembrei da minha cidade, onde a festa anual da nossa igreja, Martin Luther, preparava uma chuleta na tábua de lamber os beiços. Aliás, lá pelo Vale, churrasco era isso aí: o corte em T (americanos chamam de T Bone Steak) onde tinha contra filé de um lado, mignon do outro e o “rabicho” (essa a melhor parte).

Fui na tal da festa da igreja, pedi o churrasco e me deram um pedaço de carne enfiado num bambu, sem prato, sem talher, sem nada - te vira!! Tentei morder assim mesmo, mas a carne era muito dura, não havia quem comesse.

Essa época ficou para trás. O churrasco “gourmetizou”... se sofisticou. Hoje temos uma infinidade de cortes, preparos, técnicas, graus de marmorização e por aí vai. Vale uma regra nova: se o boi é de primeira, não existe carne de segunda. O que é uma grande verdade.

E quem começou tudo isso aqui no Brasil foi um profissional uruguaio chamado Ramon Mosquera Lopes, que iniciou um projeto de uma churrascaria chique em São Paulo, a Rodeio, que fica nos Jardins e lá está até hoje, com 61 anos de atividades.

Lopes inventou a picanha fatiada, deu valor a este corte e também a vários outros, cuidando de sua apresentação impecável, ensinando o aproveitamento correto e o tempo de cada assado mediante a distância da brasa. Ele elevou o padrão do churrasco, abrindo caminho para muitos outros profissionais como Itzvan Wessel e Marcos Bassi, para citar apenas os mais antigos posteriores a Lopes.

O legado dessa turma, que trabalhou duro na qualificação de rebanhos e raças pela melhoria da qualidade das carnes, está hoje aí à disposição de todos. É difícil comprar uma carne dura em nossos açougues. Pode acontecer, mas é raro. Basta o respeito ao melhor aproveitamento de cortes em função de sua característica de assar e do objetivo do churrasco. Tempero? É o sal. Afinal de contas, sal é o tempero universal.

E o corte na hora de servir? Tem também um mandamento básico: corte sempre no sentido perpendicular à direção das fibras, nunca no paralelo delas. Como a gente diz: sempre contra as fibras. Contra elas, mas a favor da maciez e do sabor.

Para encerrar, no livro sobre churrasco do Ramon Mosquera Lopes, logo na primeira página depois da capa, tem uma foto legendada assim: “Evite usar este instrumento, ele é o maior inimigo da carne”. Na foto havia um garfo bem pontudo... 


Poizagora - Deu Ruim

Para participar de churrascos a gente é convidado aos borbotões. O churrasco é uma instituição aqui no Brasil, não apenas na região Sul. Um desses convites foi de um cidadão que prometia um churrasco daqueles - se considerava um expert no assunto. Quando cheguei, dei uma olhada na preparação. As carnes vermelhas em postas (picanha, alcatra, maminha...) estavam numa gamela pegando tempero com sal grosso. O anfitrião me explicou que fazia isso mais ou menos durante uma hora. Olhei o fundo da gamela, já com bastante líquido vermelho. Resultado: A carne ficou salgada acima do ponto e não pegou a maciez clássica destes cortes, por razões obvias.

Carnes bovinas vermelhas “suam” em contato com o sal. Na real, desidratam, simples assim! Junto com o suco, vai embora o sabor e a maciez. Elas devem receber o tempero de sal grosso somente momentos antes de irem para a grelha, para que o suco permaneça dentro da peça. Não importa a quantidade de sal grosso que for colocada ao seu redor. A carne vai absorver apenas a quantidade certa. Claro, será preciso bater o excesso de sal antes de servir e cortar sempre contra as fibras. O churrasco ficará sempre muito saboroso e macio.



Publicado em 14/03/2019 - por Marcos Heise

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