Cântico à velha Palhoça – Parte II
Era comum ver na Praça
O prefeito João Silveira
Conversando com eleitores
Com uma mão nas cadeiras.
Se lhe pediam um dinheirinho,
Ele, com muito carinho,
Puxava do bolso a carteira.
Conheci o seu João Silveira
Ensinando com alegria
Na Escola Venceslau Bueno
Dando aulas de Geografia.
Ser generoso era virtude
Eu ia comprar seu Hollywood
E um lanche então fazia.
Seu Godinho, outra figura
Era nosso juiz de paz
Apitando jogos do Guarani
Também foi um árbitro audaz.
Impunha muita moral
No estádio do Patural
O juiz fez seu cartaz.
Foi o Colégio Ivo Silveira
Que uma educação me deu
Entre tantos mestres queridos
Dona Cléia e seu Amadeu.
Outro mestre de valor
Foi seu Febrônio, o diretor
Que linda história escreveu.
Quando se chegava na Praça
Via-se um amigo em cada esquina
Rostos bonitos e confiáveis
Como o da dona Vergulina.
O seu Ari, com o Botafogo vibrando
Do seu Cidinho Zacchi gozando
A amizade verdadeira era rotina.
Fim de tarde e meio-dia
A “homarada” ia no bar do seu Orildo
Que tinha grande movimento
Por ser um bar conhecido.
Onde por trás do balcão
Já brincava o Cabeção
Que na época era entanguido.
Nas quartas e fim de semana
A diversão não era problema
Entre o Cine Pax e o Cine Scharf
O filme a escolher era o dilema.
Para não dormir de toca
Íamos beijar na boca
No escurinho do cinema.
No Cine Scharf, o seu Vilsinho
Para nós não dava mole
No Cine Pax, até as pulgas
Eram vigiadas pelo Danilo Malagoli.
Se vissem um roçar de pernas
Vinham com suas lanternas
Pra acabar com o bole-bole.
Eram boas tardes de domingo
Nossa juventude hospitaleira
Saía em penca pela Palhoça
Procurando uma domingueira.
Do salão do seu João Rufino
Íamos cortando caminho
Podendo chegar na Pinheira.
Domingo à noite era sagrado
Obedecíamos ao mesmo cântico
Todos caminhos nos levavam
Pra Barra no Clube Atlântico.
Correndo o risco de apanhar
Se com uma moça namorar
E com ela não ser romântico.
Para tomar banho de mar
Nos domingos de verão
Iam vizinhos e familiares
Na carroceria de um caminhão
Íamos no Pontal ou no Tomé
Muitos nem molhavam o pé
Com medo da arrebentação.
Na política, a barra era pesada
A aposição não se criava
Enfrentar a tropa de choque
Bem pouca gente enfrentava.
Palhoça tinha um senhor:
Como tinha sido governador,
Era doutor Ivo quem mandava.
Garantiu essa posição
Quando foi governador
Pra Palhoça não trouxe obras
Mas muita gente empregou.
Palhoça, do doutor Ivo dependia
Muita gente em sua mão comia
Até nas escolas, o professor.
Fazer política era fácil
Se não se fosse oposição
Bastava o doutor vir a Palhoça
Promover a conversação
Vinha de 4 em 4 anos
E por debaixo dos panos
Vencia toda eleição.
Mas no final dos anos 60
Alguma coisa mudou
Doutor Ivo, da nossa política
Parece que descuidou
O Odílio se candidatava
O João Silveira apoiava
E o “Manda Brasa” ganhou.
Com o MDB no poder
O Odílio conheceu a ditadura
Lá no Governo do Estado
A Arena fez linha dura
Palhoça viveu sua cruz
Mandaram cortar a luz
A Prefa ficou às escuras.
O progresso foi chegando
Foram abrindo loteamentos
Prédios aqui foram erguidos
E muitos jardins de cimento
A cidade viu, surpresa
A devastação da natureza
E muitos alagamentos.
Anunciaram muitos jardins
Mas inverteram os valores
Eucalipto, Aquárius, Eldorado
Plantavam gente, não flores
Sem preocupação com o futuro
O que era um porto seguro
Virou um jardim de horrores.
A nossa velha matriz
Foi colocada no chão
Os belos pés de cipreste
Sentiram a degradação
As flores do jardim morrendo
Aos poucos desaparecendo
Numa triste transformação.
O manguezal foi invadido
Um santuário a se acabar
Uma cerca morta de prédios
Não o deixa mais respirar
Com rios e córregos aterrados
Deixamos o mangue isolado
As águas não chegam ao mar.
Procuro na Praça Sete
O sorriso de dona Vergulina
Seu Ari Silveira, com seu carro
Sem tirar a mão da buzina
Procuro os velhos cinemas
O cheiro bom de alfazema
O velho telégrafo da esquina.
Procuro a loja do Casemiro
O seu Zequinha e a padaria
A casa da professora Isaura
Onde “roubar” goiaba eu ia
Procuro o Campo do Isoladão
Onde, sem camisa e só de calção,
A moçada da praça se divertia.
Hoje, não a reconheço mais
Rostos são todos estranhos
Nos acotovelamos na praça
Numa desorganização sem tamanho
Às vezes me refúgio na roça
Fugindo dessa Nova Palhoça
Como gado sem rebanho.
Neste Natal, minha cidade
Desejo-te paz e felicidade
Que os valores do passado
Voltem a fazer parte da realidade
E que Deus pra sempre possa
Abençoar essa Nova Palhoça
E que da “Velha” eu não morra de saudade.
Publicado em 12/12/2024 - por Beltrano