O império político, o eleitor e os três ladrões – Parte I
Das histórias de Palhoça
A que me causou mais espanto
Como esta eu nunca ouvi
Outra que chegasse a tanto
É a de um político vagabundo
Que enganava todo mundo
Não perdoava nem santo.
Chamava-se, este político,
Vamos dizer: Manuel Cruz
Que enganava todo mundo
Da sua fama fazia jus
Dizia que, para se eleger
Fazia todo o povo crer
E enganava até Jesus.
Manuel era político brejeiro
Vivia a todos a enganar
Comprava voto de todos
E quando o eleitor ia cobrar
Respondia bem assim:
“O negócio na Prefeitura tá ruim
Espere a coisa por aqui melhorar”.
De forma que em Palhoça
A muito eleitor devia
Ficou em tais condições
Que na eleição não se elegia
Perdeu toda confiança
E ficou sem esperança
De continuar na mordomia.
Então, disse a um assessor:
“A coisa tá ficando ruim
Voto, eu não compro mais
Está chegando o meu fim
Ou finjo que hoje morro
Você pra mim pede socorro
E vai pedir perdão por mim”.
“Vais sair pela cidade, gritando
Pra todo eleitor que eu dever
Peça a todos que perdoem
Pois eu acabei de morrer
Diz que não deixei como pagar
Mas que eu pedi pra me perdoar
Pois eu não vou me reeleger.”
“E depois que perdoarem
Todos, sem faltar alguém
Amanhã, que estou morto,
Não devo mais a ninguém,
Tudo vai ficar perdoado
O voto que comprei fiado
Cobrar de morto não convém.”
“Morro de catalepsia patológica
Veja, não fique esquecido
Mande enterrar meu caixão
Porém, fique bem prevenido
Não deixe a cova tapar
Pra que eu possa respirar
E depois, aparecer ressurgido.”
Em Palhoça, um punhado de casos
De catalepsia patológica se dava
Era quando a pessoa morria
Parecendo que não voltava
Então, botavam no caixão
E dentro da cova, então
O morto, sozinho, ressuscitava.
Por isso, muitos deixavam
A cova no cemitério aberta
No outro dia é que vinham
Pra saber se a morte era certa
Um parente examinava
Se quem ali repousava
Não ia ficar mais alerta.
“Tudo bem, o trato tá feito!
Certifique-se do que vai dizer.”
Explicou direitinho ao assessor
O que ele devia fazer
E ordenou: “Não faça asneira”!
E deitando-se numa esteira
Logo começou a gemer.
Gemeu até ficar rouco
Deu-se logo o passamento
Trouxeram, então, uma vela
E um crucifixo bento
Botaram a vela na mão
Faltou-lhe a respiração
Morreu naquele momento.
Fez mesmo que estava morto
E o assessor saiu gritando:
“Manoel Cruz morreu
Peço que o vão perdoando
Por obra de caridade
Quem perdoar de verdade
Não ficará se assombrando”.
Então, todos respondiam:
“Por mim, ele está perdoado
Que Deus bote em bom lugar
E com ele tenha cuidado
Senão ele faz arranjos
E até mesmo os anjos
Vão ser por ele enrolados”.
Porém, havia um eleitor
Muito forte e destemido
Que nunca temeu a nada
Só por viver prevenido
Votou nele na última eleição
Ajudou muito na votação
Sem ele, nunca teria se elegido.
Disse o eleitor: “O venta furada
Morreu e ficou me devendo
Não pagou porque não quis
Isto é que eu não compreendo
Morreu, mas não vou perdoar
Ele tem que um dia me pagar
Nem que seja no inferno, derretendo”.
Disse o eleitor pra si mesmo:
“Ah, ele há de me pagar,
Vou à noite ao cemitério
Só a fim de me vingar.
Dou-lhe um tiro na cabeça
E digo: safado, apodreça
Pra nunca mais me enganar”.
“Embora ele esteja morto
Porém, pode ainda reviver
É bom levar uma bala
Para ele bem compreender
Que este eleitor sincero
Mata até no cemitério
Faz e não manda fazer.”
(Continua na próxima edição)
(Adaptado para a realidade palhocense do pasquim da revista Jangada Brasil)
Publicado em 26/08/2021 - por Beltrano