Amor e hemorroida em tempos de pandemia
Extra! Extra!! Como se não bastasse ver a idade chegando, ainda aparecem professores querendo furar a fila da vacina! É fogo ficar velho! Ainda bem que na cama não tenho limite, ainda esta noite caí três vezes! O bom de passar dos 60 anos é que a gente não precisa de drogas ou bebidas para ficar tonto; basta levantar rápido! Rá, rá, rá, rá...
Na verdade, na verdade mesmo, envelhecer é uma merda. Quando você acha que já sabe tudo, aí começa a esquecer! Pra se ter uma ideia, o ano de 2020 foi o primeiro ano que eu não viajei para Miami por causa da Covid. Normalmente, não ia por causa de dinheiro! Sei dizer que envelhecer é Froyd. Ainda tem gente que diz que é a melhor idade, até porque, quando chegamos nela, não precisamos ficar sarados; se ficarmos curados, já estamos no lucro!
O Antonho do Bidunga é que me dizia: “Como é bom passar dos 60 e ainda se sentir desejado”. Depois completava: “Obrigado, pernilongos”! Já a Judite, uma amiga minha da Cova Funda, acha que suas roupas de sair estão morrendo de saudades dela... Me disse que dia desses colocou uma e ela apertou tanto, mas tanto, que só pode ser saudade! Ela costuma dizer que antigamente seu creme do corpo era Nivia; hoje, chama-se Cataflan gel! Rá, rá, rá, rá...
Mas também não são só coisas ruins, ser idoso também tem suas vantagens, por exemplo: com a idade adquirida, ficamos mais hábeis, conseguimos rir, tossir, espirrar e mijar, tudo ao mesmo tempo! Acho que a pandemia tá me deixando louco: dia desses fiz um escondidinho pra comer, mas quem disse que eu achei! Agora só faço pavê... pavê se eu acho!
Foi o Antônho do Bidunga
Quem me contou esta história
De um sinhozinho da Barra
Que viveu fazendo farra
E ficou sem escapatória.
O pobre do seu Anacleto
Sempre se via na praça,
Ficava lá num banco, sentado
Com o seu terninho apertado
Todo comido de traça.
Com o semblante carregado,
Na mulherada fixava o olhar,
Na maioria das vezes calado
E com os lábios cerrados,
Punha-se da vida a lamentar.
Passava horas inteiras
Sem muito ânimo, levantava
Ajeitava o paletó puído
E com o semblante doído
Em passos curtos se mandava.
Até que um dia o Antônho
Vencido pela curiosidade
Aproximou-se do velhinho
E sorrindo com carinho
Perguntou com humildade:
“Desculpe-me a intromissão,
Uma dúvida me apavora
O senhor não tem aonde ir
O que o senhor faz por aqui
Todo dia, nesta mesma hora?!
O Anacleto falou para o Antônho:
“Preste muito bem atenção
Que sirva como conselho
Para que nunca olhes no espelho
E fiques com depressão”.
E com voz cansada e emocionada
Seu Anacleto deu a resposta sugerida:
“Com você, vou ser franco
É que há 40 anos neste banco
Conheci o único amor da minha vida”.
E lacrimejando, completou:
“Apaixonei-me naquele momento
Quase que o coração eu arranco
E depois, neste mesmo banco
Me acovardei e não a pedi em casamento”.
O Antônho tentou adivinhar
Enternecido pela dor do velhinho:
“Já sei, o senhor perdeu a chance
Agora não tem mais o amor ao alcance
E anda com medo de morrer sozinho”.
E seu Anacleto balançou a cabeça
Simplesmente começou a soluçar:
“Me vejo agora sem mulher e sem filhos
Estou no fim do meu trilho
E sem ninguém para me amar”.
O Antônho então disse pra ele:
“Foi Deus que criou o casamento
Embora pareça inconveniente
Ter unido seres tão diferentes
Está no amor o entendimento”.
“Tá na Bíblia, ouvi o padre na missa
Como Adão, vivia com seus caprichos
Não basta apenas puxar pela memória
Precisamos conhecer toda a história
Quando Adão só dava nomes aos bichos.”
“No paraíso tinha machos e fêmeas
Tinha tigre, porco, tatu, macaco e leão
É possível que Adão tenha então reparado
Que todo macho tinha uma fêmea ao lado
E inspirado, acabou ficando com tesão.”
“Então, Deus, que a tudo espiava
Deu ouvido ao seu segundo coração:
‘Vou te fazer uma companheira
Da costela, farei uma joia de primeira
Pra acabar com essa tua solidão’.”
“Para que não matasse bem-te-vi a soco
Deus pôs em ação aquilo que pretendia
Retirou uma costela, pondo carne no lugar
Fez a mulher e nem esperou o coitado acordar
Deu logo por encerrada a primeira cirurgia.”
“Deus trouxe Eva e a apresentou a Adão
Assim que ele acordou daquele sono pesado
Adão, feliz, achou tudo um colosso:
‘Que coisa linda é o osso do meu osso
E ver o corte da minha cirurgia cicatrizado’.”
“E foi assim que se deu o primeiro casamento
Mas até hoje rola um papo machista e corriqueiro
A partir dali, o homem ficou mais ocupado
Deixou pra trás os bichos que tinha catalogado
Se achando importante porque foi feito primeiro.”
“Há homens que até hoje apregoam por aí
Que fomos o primeiro, pra Eva não dar palpite
Elas se irritam e afirmam, de arma em punho
Que não existe obra prima sem rascunho
Contestada apenas pelo advento da celulite.”
O Antônho diz que isso é irrelevante
Para o sucesso da vida a dois
Que discorde de Deus quem quiser
O melhor do mundo é a mulher
Mesmo vindo antes ou depois!
Daquele dia em diante, o Anacleto
Eu tenho visto no banco da praça
O Antônho o levou num clube de idoso
Agora ele vive feliz, belo e formoso
Namorando a dona Maria das Graças!
Como por ironia do destino
Seu Anacleto encontrou seu abrigo
Num segundo olhar se apaixonou
A Maria das Graças reencontrou
A mulher que foi seu amor antigo.
Uma coisa ninguém me disse
Nem explicou uma parada
Não sei se a dona Maria
Vive hoje em bigamia
Se é solteira, viúva ou casada!
Publicado em 11/02/2021 - por Beltrano