Cântico de amor aos 125 anos de Palhoça
Relembro minha infância
Em Palhoça nasci e me criei
É o melhor lugar do mundo
Dela muitas histórias já contei
Ainda que eu viva cem anos
Irei gastá-los só contando
As tantas histórias que sei.
Palhoça é meu lugar
De fina hospitalidade
Aqui sempre quis morar
Nunca quis outra cidade.
Um a um aqui tinha nome
Gato, cachorro e homem
Era um lugar sem maldade.
Os dias eram sonolentos
Horas passavam vagarosas
O relógio só trabalhava
À custa de muita prosa.
Tartaruga por aqui era atleta
Existia algumas bicicletas
Mas o transporte era a carroça.
Poucos viviam na cidade
Muitos na zona rural
Em quase toda residência
Tinha galinheiro e curral.
Também chiqueiro de porco
Fazia-se de tudo um pouco
Vivia-se bem ganhando mal.
Aos domingos de manhã
A mesma cena se repetia
Assistir à missa das sete
Na Matriz, a gente ia
A criançada fazia graça
Fazendo estripulia na praça
Em frente ao bar da dona Maria.
Depois de assistir à missa
Os homens iam beber “tatuzinho”
Mas papai pedia uma “média”
E para nós uns salgadinhos.
Acabava-se o jejum da exaltação
Imposta pela comunhão
Lá no bar do seu Dorinho.
Quando tinha condições
Papai botava na mesa
Feita pelo seu Juliano Luchi
Uma garrafa de framboesa.
Aquela bebida gostosa
Nos deixava todos prosas
Com a delícia de sobremesa.
Então, íamos para o jardim
Que cheirava a alfazema
Víamos o Tavinho e o Ireno
Alheios a todo sistema
Dois cidadãos de quilates
O Ireno, “grande engraxate”
O Tavinho “dono do cinema”.
Em volta da Praça Sete
Papai então dava um giro
Ia comprar ferramentas
No armazém do Casemiro.
Se considerava um sortudo
Pois no armazém tinha tudo
Pra olaria, roça, pesca e tiro.
Enquanto no jardim corríamos
Atropelando os pedestres
Éramos observados de perto
Por entre os pés de ciprestes.
Pelo seu Flor e seu Néca
Que mesmo recebendo merreca
Em jardinagem eram mestres.
E caminhando pelo Centro
Já com pressa nessa altura
Papai ia comprar remédio
Pra dor de cabeça e gastura.
Entrava na farmácia do Chico
Que receitava sal amoníaco
E comprimidos de Alicura.
Mas antes de ir pra casa
Papai comprava bala “Azedinha”
E também pães quentinhos
Na padaria do seu Zequinha.
E avisava para o Bastião
Que não ia querer o pão
Que ele vendia na carrocinha.
Nas festas de Espírito Santo
Todos iam ao Cortejo Imperial
Na loja de dona Ivone Weiss
As moças compravam enxoval.
O belo terno de linho
E camisa com colarinho
Só no seu Rolde tinha igual.
Sentado no banco da Praça
Via-se o Coca do Clube 7 passar
Com uma carroça de lenha
Para em Florianópolis entregar.
Orgulhoso com seu ganho
Instigava o seu cavalo “Zanho”
Pra mais rápido a Palhoça voltar.
Era na rua do mercado
Que batíamos fotografia
O Gedalvo fotografava
A Palhoça do dia a dia.
Fosse foto três por quatro
Ou da família um retrato
Era ele ou os filhos quem batia.
Ver o seu Juarez Nahas
Com o guarda-chuva na mão
Andando a pé pela cidade
Nos transmitia proteção.
Era bom ver o promotor
Que mesmo sendo um doutor
Misturava-se com o povão.
Vivíamos em segurança
Era pequena a delegacia
Também eram bem poucos
Os escritórios de advocacia.
Os advogados de bom nome
José João e Nereu Ghizoni
As questões judiciais resolviam.
Os policiais da nossa delegacia
Obedeciam a um bom regime
Respeitavam os cidadãos
Defendendo a lei com pulso firme.
Homem de bem vivia sem culpa
Estacionar na praça não dava multa
E a Polícia agia no combate ao crime.
Foi o colégio Ivo Silveira
Que uma educação me deu
Entre tantos mestres queridos
Dona Cléia e seu Amadeu.
Outro mestre de valor
Foi seu Febrônio, o diretor
Que linda história escreveu.
Quando se chegava na Praça
Via-se um amigo em cada esquina
Rostos bonitos e confiáveis
Como o da dona Vergulina.
O seu Ari, com o Botafogo vibrava
Do seu Cidinho Zacchi gozava
E a amizade era uma rotina.
Fim de tarde e meio-dia
A “homarada” ia no “Bar do Orildo”
Que tinha grande movimento
Por ser um bar conhecido.
Onde por trás do balcão
Brincava o Orildo Cabeção
Que na época era entanguido.
Nas quartas e fim de semana
A diversão não era problema
Entre o Cine Pax e o Cine Scharf
O filme a escolher era o dilema.
Para não dormir de touca
Íamos beijar na boca
No escurinho do cinema.
No Cine Scharf, o seu Vilsinho
Para nós não dava mole
No Cine Pax até as pulgas
Eram vigiadas pelo Danilo Malagoli.
Se vissem um roçar de pernas
Vinham com suas lanternas
Pra acabar com o bole-bole.
Eram boas tardes de domingo
Nossa juventude hospitaleira
Saía em penca por Palhoça
Procurando uma domingueira.
Do salão do seu João Rufino
Íamos cortando caminho
Até chegar à Pinheira.
Domingo à noite era sagrado
Obedecíamos o mesmo cântico
Todos caminhos nos levavam
Pra Barra no Clube Atlântico.
Correndo o risco de apanhar
Se com uma moça namorar
E com ela não ser romântico.
Na política, a barra era pesada
A oposição não se criava
Enfrentar a tropa de choque
Bem pouca gente enfrentava.
Palhoça tinha um senhor
Como tinha sido governador
Era doutor Ivo quem mandava.
Hoje procuro na Praça Sete
O sorriso de dona Vergulina
Seu Ari Silveira com seu carro
Sem tirar a mão da buzina
Procuro os velhos cinemas
O cheiro bom de alfazema
O velho telégrafo da esquina.
Procuro a loja do Casemiro
O seu Zequinha e a padaria
A casa da professora Isaura
Onde “roubar” goiaba eu ia
Procuro o campo do Isoladão
Onde sem camisa e só de calção
A moçada da Praça se divertia.
Hoje não a reconheço mais
Rostos são todos estranhos
Nos acotovelamos na Praça
Numa desorganização sem tamanho
Às vezes me refugio na roça
Fugindo dessa nova Palhoça
Como gado sem rebanho.
Nestes teus 125 anos de emancipação
Desejo-te paz e felicidade
E que os valores do passado
Voltem a fazer parte da nossa realidade
E que Deus pra sempre possa
Abençoar essa moderna e agitada Palhoça
Para que da “Velha” eu não morra de saudade.
Publicado em 25/04/2019 - por Beltrano